segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Betty Catroux



Domingo, 27 de novembro de 2011, por Danuza Leão, para a Folha de S. Paulo


Outro dia pensei em Betty Catroux, ícone de elegância e sofisticação em Paris.
Filha de uma brasileira, Carmen Saint, ela é uma mulher de 61 anos, linda, glamourosa, loura, com os cabelos até os ombros (nunca mudou de penteado), mede 1m80, e pesa 50 quilos. Betty é casada com um famoso decorador francês, e foi a musa do grande gênio da moda, Yves Saint Laurent, que a considerava sua irmã _ gêmea.
Foi praticamente a maior manequim do costureiro, pois só se vestia com as roupas dele, mas sem ter jamais desfilado nem fotografado, profissionalmente, suas coleções _ mas quando se falava dela, se estava falando de Saint Laurent. Betty sempre declarou, com simplicidade, que nunca teve - e continua não tendo _ s a mínima idéia do que se passa na moda, pois não se interessa pelo assunto. Jamais comprou um só vestido, pois ganhava todos de presente do seu amigo, e foi nela que ele se inspirou, quando desenhou seu famoso smoking. Ela sempre se vestiu como um garoto: jeans, calças compridas, camisetas, camisas _ algumas luxuosas _, casacos de couro, sapatos sem salto. A declaração mais surpreendente de Betty, quando perguntada sobre o que fez e o que faz em Paris, sua resposta foi sempre a mesma, corajesamente: nada.
OK, ela tem um marido que deve ser rico, teve o privilégio de ser a maior amiga de um grande costureiro, mas em um mundo em que todas as mulheres são obrigadas a terem uma profissão, ou a escolher entre fazer ginástica, frequentar um curso de arte, se interessar por jardinagem, pintar porcelana ou viver de almoço em almoço, de loja em loja, para matar o tempo, ela responde, corajosamente: nada.
Acho o máximo; enfim uma mulher que não está na vida para fazer o que _ dizem _ as mulheres têm que fazer, para terem o direito de existi. Quanto a sua vida pessoal, que foi trepidante nos anos 60, ela diz que nos dias de hoje só faz ficar em casa com o marido, com quem é casada há 30 anos, e seus quatro gatos. Fazendo o que? Nada.
Ela não é dada às prendas domésticas, não acha a menor graça em comer, sorte a dela, continua deslumbrante, e odeia viajar, o que só faz quando tem um objetivo definido.
Betty teve uma vida que foi o máximo da sofisticação; saía toda as noites _ sempre com Saint Laurent _, e passava temporadas de sonho em Marrakech, onde os dias corriam soltos na casa deslumbrante que o costureiro tinha na cidade. Iam todos os dias ao mercado, se vestiam simplesmente, com caftans e sandálias que compravam dos artesãos locais, e assim passavam os verões, não fazendo rigorosamente nada.
Saint Laurent trabalhava, e muito: houve um momento em que desenhou 1.500 vestidos em 15 dias, sempre com Betty ao lado. Ela não se envolvia nas suas criações mas o inspirava, e enquanto ele foi vivo, nunca se largaram.
Cada pessoa é de um jeito, algumas enlouquecem, se não tiverem o que fazer, já outras não têm a coragem de viver como mais gostariam, isto é, sem fazer nada _ e isso não tem a ver com o fato de serem ricas ou não.
Estou falando da coragem de se assumir, o que Betty Catroux fez sem nenhum preconceito, e sem seguir a ditadura que diz que as mulheres têm que, etc. etc. Ela viveu e continua vivendo, linda e loura, fazendo o que mais gosta, isto é: nada.

domingo, 20 de novembro de 2011

Procura-se uma cozinheira




Domingo, 20 de novembro de 2011, por Danuza Leão, para a Folha de S. Paulo



Quando comecei a ler a coluna de Fernando Rodrigues da última quarta-feira, aqui na Folha, logo no primeiro parágrafo pensei: "ah, achamos a mesma coisa; Nizan não podia ter usado o espaço da Folha para um assunto pessoal, isto é, para encontrar uma cozinheira". Mas quando continuei a leitura, vi que não era bem por aí.

Tenho grande admiração por Fernando Rodrigues, acho Nizan um super profissional, não sou amigona de nenhum dos dois, mas já que Fernando se manifestou sobre a coluna do Nizan, me dou ao direito de me manifestar sobre a coluna de um e de outro.

Apesar do tom brincalhão, Nizan na verdade publicou um anúncio, em espaço nobre, procurando uma cozinheira _e imagino que muitas devem ter aparecido querendo trabalhar em sua casa. Mas é o tal negócio: quem procura um funcionário para qualquer função põe um anúncio e paga por ele. No caso _e no meu entender_ foi um abuso, pois os jornais vivem de seus espaços publicitários e, claro, Nizan não pagou nada _e deve até ter recebido, para escrever a coluna. É um problema de não misturar as bolas: anúncio é anúncio, opinião é opinião.

Vamos agora à coluna de Fernando.

Não existe, em português, a tradução exata para "chef de cuisine". Depois que a gastronomia entrou na moda (no Brasil), os restaurantes estrelados têm "chefs de cuisine" que ficam famosos, aparecem na imprensa, viram celebridades. Sempre foi assim em outros países, aqui é mais recente.

Imagino que uma pessoa rica, que tem uma casa grande e pode arcar com a despesa, gostaria muitíssimo de ter um "chef de cuisine" em casa, mas só se usa chamar de "chef" quem trabalha em restaurante. Uma cozinheira é considerada como alguém que tem uma profissão "menor", mas ser "chef" _cozinheiro_ pode, e é até chique.

Quando Fernando diz que, ao escrever "procura-se uma cozinheira", Nizan mostra "como é resiliente o velho Brasil no nosso cotidiano", e diz também que "até em cabeças como a dele sobrevive um pedaço renitente do Brasil antigo e profundo", nosso grande jornalista, querendo denunciar o preconceito, acabou sendo preconceituoso, logo ele.

Ser cozinheira é uma excelente profissão, uma profissão nobre, pois a culinária de um país é parte importante de sua cultura, e foi descascando legumes que começaram todos os célebres "chefs de cuisine". Muitos deles são, hoje, donos de restaurantes, os mais talentosos têm os seus em várias capitais do mundo, e produtos com seu nome no rótulo. Uma boa cozinheira vale ouro, e ganha mais do que muitas executivas de grandes empresas. Ter um dom é uma coisa preciosa, seja ele escrever, fazer publicidade ou cozinhar.

De uma pessoa que gosta de ficar em casa, que pouco sai, que aprecia seu lar, diz-se que tem índole doméstica. Por outro lado, quem tem um emprego, seja ele qual for, é empregada/o. Então, se uma mulher trabalha em serviços dentro de um recinto doméstico, é uma empregada doméstica, não uma "secretária do lar", como pretendem os politicamente corretos. Qual a ofensa em ser uma empregada? No meu entender, nenhuma. Eu me considero uma empregada da Folha; não é ela que me emprega? Por que funcionária pode, e empregada não? São apenas palavras.

Queria eu ter uma casa enorme _e os meios_ para ter uma maravilhosa cozinheira, e se ela fosse baiana, melhor ainda. Já tive uma, Lizete, que importei de Salvador, e lembro com saudades do tempo em que melhor comi na vida.

É o que eu tinha a dizer, apenas minha opinião.

sábado, 12 de novembro de 2011

A inútil tolerância zero




Domingo, 13 de novembro de 2011, por Danuza Leão, para a Folha de S. Paulo

Foi aprovado no Senado o projeto que exige teor zero de álcool para motoristas que bebem e dirigem. Existirão outras maneiras, além do bafômetro, para saber se eles beberam: exames de alcoolemia (nível de álcool no sangue) e clínicos, perícia, provas testemunhais de imagem e vídeo e até a avaliação de um médico para dizer se o motorista está ou não alcoolizado. Beleza.
Mas vamos imaginar que à 1h30 da madrugada a polícia pare um carro, por suspeitar que ele está sendo dirigido por alguém que tomou umas cervejas; vai levar o motorista a um hospital, para fazer exames clínicos? Procurar um médico, para atestar que ele bebeu? Procurar fotos ou vídeos, para comprovar o caso? Ir ao bar onde ele estava para ter testemunhas sobre seu consumo de álcool? E se ele não quiser ir, pode ser obrigado? Segundo a lei, não, pois ele tem o direito de se recusar para não se incriminar, o que significa que tudo vai ficar exatamente como está.
A coisa certa seria, além da tolerância zero, obrigar os motoristas a fazer os testes necessários, e o do bafômetro seria suficiente. No meu entender, essa recusa deveria ser considerada uma prova, igualzinho ao exame de DNA. Ninguém é obrigado a fazer o exame, mas se não fizer, é considerado o pai da criança. Alguns muito importantes até escapam, mas isso é outra história.
Por que razão uma pessoa que não bebeu se recusaria a fazer o teste? Os que passaram a noite tomando refrigerantes vão fazê-lo com o maior prazer. Exigir o teor zero é uma boa coisa; alguns ficam alegrinhos com um copo de vinho, e outros, mais fortes para a bebida, precisam de copos e copos para ficarem como o diabo gosta. Por essas razões, o teor zero, radical, é necessário, mas não é possível os motoristas poderem se recusar a ser examinados, seja de que forma for, para saber se beberam.
Muita gente tem morrido, sobretudo em São Paulo, em acidentes causados por motoristas alcoolizados. É preciso que nossos nobres juristas encontrem uma maneira de tirar das pessoas o direito de se recusarem a fazer o teste, e que esse direito seja tirado de todos, sejam eles ricos, pobres, empresários, deputados ou senadores, esse é o xis do problema. Encontrar alguém que leve o carro em casa e ser multado é uma brincadeira.
Será que ninguém pensa no tamanho da tragédia, quando uma pessoa morre por culpa de um motorista bêbado? Os pais, os irmãos, os filhos, todos morrem um pouco. As famílias se desestruturam, muitas se vêem, de repente, sem poder pagar a prestação do apartamento, o colégio dos filhos, seguir a vida, enfim _isso além da tristeza que vai acompanhá-los pela vida inteira.
Tolerância zero para os que dirigem depois de ter bebido? Palmas para a medida, mas vou repetir: enquanto um motorista puder _amparado pela lei_ se recusar a fazer o teste do bafômetro, o exame de sangue, se submeter ao parecer de um médico, para que se saiba, comprovadamente, se ele bebeu ou não, nada vai mudar, nada.
Eles vão continuar a beber e a dirigir, e as pessoas vão continuar morrendo.

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Ainda Lula



Domingo, 6 de novembro de 2011, por Danuza Leão, para a Folha de S. Paulo

Desde que a doença de Lula foi conhecida, ficou tudo esquisito; o ex-presidente é uma figura pública, maispública que um cantor de sucesso ou um ator de novela, e paira no ar um baixo astral parecido com aquele do tempo do Tancredo. Só que os boletins do Tancredo mentiam, e esses de agora dizem a verdade, a verdade nua e crua. Os petistas estão mal e os não petistas, como eu, também estamos.
Para um homem como Lula, ativo, falante, que não conseguia ficar quieto, não deve estar sendo fácil. Com a recomendação de falar o menos possível, Lula vai ter muito tempo para pensar, coisa que não parece fazer parte dos seus hábitos; e para ele, que era levado sobretudo pelo instinto, pensar muito pode ser perigoso.
Pensar nos leva sempre a fazer um balanço da vida, lembrar do que fizemos, dos erros e acertos, e não há quem não se arrependa de algumas das coisas que fez. Isso é bom ou ruim?
Quando se pensa nas boas coisas é bom, mas pensar nas menos boas faz com que se troque de pensamento, já que não há como mudar o que foi feito; aí se abre a geladeira, se pega um jornal, se telefona para um amigo, se deixa pra lá. Mas quando não se pode falar, e por um bom tempo _ o que parece que vai acontecer com Lula _, é difícil. Ele não parece ter o hábito de ler, e só ver televisão, para um homem habituado a uma atividade intensa, é pouco.
Steve Jobs não teve tempo de inventar uma maquininha que transformasse os pensamentos em sons _ e sob um certo aspecto, ainda bem. Se os efeitos da quimio permitirem, seria o caso de Lula tomar umas aulas de digitação, e com alguma ajuda, que certamente não faltaria, escrever o livro de sua vida. Sua história é conhecida, mas ninguém conhece a história inteira de ninguém, e essa poderia ser uma maneira de ter um interesse, enquanto recupera a saúde. Não posso deixar de pensar, com tristeza, na vida desse homem nos próximos três, quatro meses, sem poder fazer o que mais gosta e melhor sabe fazer, que é falar.
Foi falando que ele chegou onde chegou, foi falando que convenceu metade do país a votar em Dilma, foi falando que foi chamado de “o cara”. Será que religião nessa hora ajuda? Será Lula religioso? Não parece.
A doença colocou o ex-presidente de novo no centro dos holofotes, e por seu desejo pessoal, boletins médicos falarão, várias vezes por dia, sobre a evolução da doença. Isso é aplaudido por alguns, mas no que me diz respeito, vou procurar saber como vai sua saúde só uma vez por dia. Em não sendo uma pessoa próxima, não quero ficar viciada _ como fiquei na época de Tancredo _, o dia inteiro diante da tv, para saber ae o tumor tem dois ou três centímetros, se Lula está sendo tratado por quimia ou radio, se fará cirurgia, ou o que.
Vou continuar ligada, vou continuar desejando que Lula saia dessa, vou torcer pelo Corintians até que ele fiquebom, pois isso vai lhe dar alegrias, mas vou também pensar em outras coisas. A vida continua, como dizem. Mas se fosse comigo _ e espero que isso não me aconteça _ preferiria não ter a minha saúde contada em detalhes, pela televisão, e sendo assunto de conversas, mesmo que fossem todas a meu favor.
Apenas uma maneira de ser.

Coisas que nos unem



Domingo, 30 de outubro de 2011, por Danuza Leão, para a Folha de S. Paulo


Na última quarta-feira fui ao banco pagar meus impostos, e quando cheguei no caixa o funcionário _ que eu nem conhecia _ me contou a novidade, sorrindo: “o ministro sai hoje, acabei de ouvir no rádio”. Houve logo uma espécie de confraternização; as pessoas que estavam na fila atrás de mim também tinham ouvido, e começaram a comentar, uns falando com os outros, como se fosse gol do Brasil num final de Copa. O clima ficou animado como nunca é, numa fila de banco, e lembrei de uma cena inesquecível e parecida, acontecida há muitos anos, aqui no Rio. Eu estava no centro da cidade, quando surgiu no céu um arco-iris tão colorido, tão nítido, tão alegre, tão perfeito, que as pessoas na rua falavam umas com as outras,apontavam com o dedo e perguntavam “você viu que lindo?” Uma cena não tem nada a ver com a outra, mas no fundo tem.
Quem ficou mal na foto? Em primeiro lugar Lula _ “político tem que ter casca grossa” _, e em segundo a própria Dilma, que poderia ter um pouco mais de autoridade e fazer o que seu instinto manda, e instinto não lhe falta; ou ela tinha alguma dúvida sobre o fim dessa história?
A presidente não desperta grandes simpatias, mas é preciso separar as coisas: gostar ou não de alguém, quandoesse alguém é uma figura pública, não tem nada a ver com o reconhecimento de suas qualidades e defeitos. Apesar de Dilma ter trabalhado tanto tempo com Lula, deu para acreditar que ela pudesse ser diferente: no caráter, na aversão aos “malfeitos”, no seu aparente desconforto com a corrupção em geral, na coragem de tomar uma atitude. É verdade que ela já fez rolar várias cabeças, mas sempre de maneira vacilante, deixando as coisas chegarem ao limite, evitando dar um murro na mesa. Hoje ela deve estar feliz, pois talvez possa fazer (em breve) aquilo de que mais gosta: nomear outra mulher para seu ministério.
Mas voltei a pensar na queda do ministro e no arco-iris, e no que une as pessoas que nem se conhecem: geralmente as grandes alegrias e as grandes tragédias. E de pensamento em pensamento _ já que neles a gente não manda _ pensei em uma coisa bem banal, que não énenhuma novidade, mas importantíssima para os cariocas: o verão está chegando; devagarzinho, mas está.
No Rio, quase todos os dias do ano são de sol, o céu é sempre azul, as praias estão sempre cheias, mas isso não tem nada a ver com o verão de verdade. Quando ele chega, se percebe pela água do mar, que muda de côr, pelo cheiro da maresia, pelo canto das cigarras, pelocomportamento das pessoas.
Os homens se tornam mais atrevidos, e as mulheres acolhem esse atrevimento cheias de alegria; há meses elas se preparam _ fazendo ginástica, passando fome, cuidando do novo guarda-roupa _ para o acontecimento mais esperado do ano que é o verão, onde tudo pode acontecer, e geralmente acontece.
É a temporada da democracia, quando as diferenças de classe desaparecem, com homens e mulheres usando as mesmassandálias Havaianas, as mesmas camisetas, tomando a mesma água de coco, tudo baratinho; com um top de paetês comprado no camelô, a festa já está pronta .
Assim foi, é e será todos os anos, e até a quarta-feira de cinzas ninguém vai querer saber se o ministro caiu ounão, porque nada é mais importante, no grande balneário que é o Rio, do que o verão.