domingo, 21 de agosto de 2011

Episódio natalino




Domingo, 2 de janeiro  de 2011 por Danuza Leão, para a Folha de S. Paulo


APRENDI ISSO AGORA: se alguém, na rua, se dirigir a você para pedir uma informação sobre seja lá o que for, não pare. Não pare, não olhe, aperte o passo e vá em frente. Pode ser o chamado "conto do vigário", aquele que aparecia nos jornais há séculos e que continua acontecendo. Aconteceu comigo dois dias antes do Natal.
Eram 11h30 da manhã, eu passava por uma rua movimentada de Ipanema, quando um senhor, modestamente vestido, me parou para perguntar se eu sabia onde era determinada loja.
Eu disse que não sabia, ele começou a contar sua história: era comerciante em Maricá, tinha vindo de ônibus, tomado um táxi na rodoviária e não encontrava a rua da tal loja. Perguntei se não tinha um endereço escrito, ele tirou um papelzinho do bolso da camisa e me mostrou; nunca tinha ouvido falar daquela rua.
E veio a história; recebeu telefonema de uma pessoa de quem comprava mercadorias para seu comércio há três anos, dizendo que viesse ao Rio para receber uns brindes de Natal, uma panela de pressão e uma bicicleta; ele não conhecia a cidade, estava perdido.
Sugeri que se informasse com um motorista de táxi, e nessa hora apareceu o "colega" e entrou na conversa. Perguntou se podia ajudar, o senhor tirou de novo o papel do bolso da camisa, e junto veio uma nota de 100 e outra de 20. O colega logo aconselhou que tivesse cuidado com seu dinheiro, pois poderia ser roubado. Não pensei, mas em algum lugar da minha cabeça devo ter achado "ainda existem pessoas de bem".
O velhinho contou toda a história de novo e acrescentou: além dos brindes, ia receber R$ 30 mil.
Mas como? Ele mostrou outro papel, um talão da Mega Sena, e a conversa foi indo. Contou que, como não sabia ler nem escrever, não podia ter conta em banco, por isso pediu que a pessoa depositasse na conta de sua mãe, mas que não foi possível, pois a partir dos 60 o limite para depósito é R$ 10 mil.
O colega disse que não era verdade, era um absurdo, e pediu minha confirmação; eu confirmei, disse que isso não existia, e ele imediatamente perguntou se eu tinha conta em banco. Ingenuamente eu disse que sim; o parceiro continuou a conversa, contou que sua mãe havia acabado de vender seu apartamento por R$ 2 milhões e tinha depositado no banco X, e me perguntou "é lá que você tem conta?"
Respondi mais uma vez que sim -como sou boba.
A conversa não acabava; um falava, o outro falava, e o tal colega sugeriu irmos a seu escritório que era logo ali, e quem sabe eu poderia ajudar? Passaríamos no meu banco, que era perto, eu tiraria R$ 10 mil ou R$ 15 mil e entregaria ao velhinho, que me daria o papelzinho da Mega Sena premiada com R$ 30 mil.
Você acredita que até aquela hora minha ficha ainda não havia caído? O que me salvou foi que, para que um conto do vigário se concretize, é preciso que a "vitima"-no caso, eu- queira se aproveitar do outro, comprando um papel que vale R$ 30 mil por R$ 10 mil.
Como a conversa estava ficando um pouco longa demais, disse que tinha hora marcada e fui saindo. O cúmplice veio atrás de mim, dizendo que era questão de minutos, que eu estaria ganhando R$ 20 mil com a transação, e foi só aí que entendi tudo. Apertei o passo e entrei na primeira loja que encontrei.
Era de manhã, em plena Ipanema, zona sul do Rio.

PS - estou saindo de férias, minha coluna volta em 6 de fevereiro, feliz 2011.

Nenhum comentário:

Postar um comentário