segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Preferências



Domingo, 17 de julho de 2011, por Danuza Leão, para a Folha de S. Paulo


Vocês já repararam que tudo o que é considerado ruim é absorvido pelas pessoas -por nós- bem mais facilmente do que tudo o que faz bem, seja à saúde, seja à alma? E não é só: é muito mais fácil -e prazeroso- fazer o que é proibido do que o que pregam os governos, as religiões, a família, a medicina. Exemplo: você prefere um suco de beterraba com nabo ou uma caipirinha? 
Tudo o que é considerado bom para a saúde e para o espírito costuma ter péssimo paladar, dá trabalho e leva tempo para dar resultado: já as coisas condenadas são fáceis, deliciosas, e você se habitua a elas em poucos dias.
Digamos que você resolva adquirir uma forma física impecável: vai ter que malhar três, quatro horas por dia, durante meses, anos, para poder exibir aquele feixe de músculos que vai deixar todo mundo morrendo de inveja. Mas, se resolver parar tudo, em quatro semanas volta à estaca zero. Dura, a vida.
Capítulo dieta: quanto tempo se leva para perder 15 quilos? Meses, e passando por sacrifícios permanentes, pois nada mais insuportável do que comer legumes no vapor com pouco sal e bebendo água. Insuportável, não: um verdadeiro inferno.
Aí um dia, prestes a cortar os pulsos, você resolve jogar tudo para o alto e cai de boca numa feijoada.
Toma todas as caipirinhas a que tem direito -com açúcar- e quando chega em casa abre aquela caixa de chocolates e vai ver um filme na televisão, fe-li-cís-si-ma. Nesse dia você recupera três quilos, que para perder vai levar pelo menos 40 dias, oh, vida.
Ela, que fumava dois maços de cigarro por dia, resolve deixar o vício. Compra as piteiras milagrosas, usa o tal esparadrapo americano, testa sua força de vontade até o limite máximo, fica de péssimo humor, e vai diminuindo, diminuindo, até chegar a quatro, cinco cigarros por dia -isso depois de seis meses com os nervos à flor da pele.
Do alto de sua superioridade, começa a fazer o discurso habitual, e no qual nem acredito muito: está sentindo mais o cheiro das coisas e o paladar dos alimentos -isso fora a resistência física. Já sobe 12 andares direto, corre dez quilômetros sem cansar e a performance sexual -bem, a modéstia impede de falar.
Com tanta coisa boa acontecendo, só pela cabeça de um louco passaria voltar a esse vício maldito. Mas uma noite sai com uns amigos, se distrai, toma três uísques e resolve botar um cigarro na boca -para nada, só para mostrar que é capaz de fumar um só e não sucumbir.
Acaba fumando um maço inteiro e vai ter que começar da estaca zero, pois o vício já se instalou, igualzinho ao que era antes.
Para desviciar, meses de sacrifício: para reviciar, basta uma noite -é possível? É justo?
E com o amor, a mesma coisa; entre um rapaz de bom caráter, trabalhador, aquele que já se sabe que vai ser um marido fiel -teoricamente, o homem certo-, ela costuma preferir um cafajeste, que não tem trabalho fixo (vive de expedientes), aquele que faz com que ela passe noites em claro esperando que ele apareça -ele, que não pode ver um rabo de saia e que apronta sempre.
E, se ele aparecer, ela abandona o rapaz certo e volta para os braços dele quantas vezes ele quiser; por que será que entre o que nos faz bem e o que nos faz mal -e quanto mais mal, melhor-, a gente sempre prefere o pior?
A vida é mesmo complicada: não podia ser ao contrário?

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