segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Pode ser muito bom

Domingo, 20 de março de 2011, por Danuza Leão, para a Folha de S. Paulo

Outro dia, numa dessas conversas sem compromisso, que não levam a nada, inventadas para que se possa fingir que não existem as duras realidades, a brincadeira era cada um contar os melhores momentos que tinha tido na vida. 
Quando chegou minha vez, disse que foram muitos, e tantos, que a resposta ia ser grande -e foi. Tive que refrescar a memória, pois dos piores a gente se lembra logo, mas dos melhores é preciso tempo, o que não deixa de ser injusto.
Isso aconteceu depois de um almoço de domingo; não havia pressa alguma, e quando vi, estava contando episódios da infância, outros da vida já adulta, alguns até românticos, veja você. Nenhum deles daria um livro, nem um conto de duas páginas, mas estavam guardados -ou esquecidos- dentro de mim, como uma grande riqueza.
Voltei para casa e, já sozinha, voltei a pensar em minhas horas mais felizes; me surpreendi, lembrando de momentos totalmente diferentes dos que havia contado. Quais seriam os mais verdadeiros? Vou falar de só um deles, até porque os outros, tirando a geografia, o ano em que aconteceram e outros detalhes sem a menor importância, foram absolutamente iguais no seu significado. Entre eles, um grande ponto em comum: eu estava só.
Era verão, eu estava na Europa e decidi ir a Londres, cidade que conheço mal. Não consigo me situar, saber para que lado ir, me acho sempre perdida e, para complicar, falo mal a língua, o que faz com que me sinta, sempre, uma total estrangeira. Nessa viagem houve também o que poderia ter sido um problema, mas não foi, pelo contrário: esqueci o celular em Paris. Talvez tenha sido proposital, penso agora.
Como ia ficar só cinco ou seis dias, e, a rigor, não precisaria ligar para ninguém, relaxei. Relaxei e me dei conta de que ninguém, no mundo inteiro, sabia onde eu estava: nem em que hotel, nem em que cidade, nem em que país.
Estava fora do alcance de tudo e de todos, incomunicável; nada poderia me atingir, pensei, e me senti livre, livre como gosto de me sentir, mas que nem sempre consigo -e olha que nunca fui muito presa às chamadas convenções.
O tamanho da felicidade que senti -não, a palavra felicidade não é suficiente. Foi como uma comunicação profunda comigo mesma, uma liberdade plena e total de existir, sem depender de nada nem de ninguém, uma sensação do poder completo, no mais alto dos níveis.
É claro que isso não aconteceu em todos os momentos de todos os dias que passei lá; acho até que, na hora, nem me dei conta direito do que estava sentindo, só fui perceber depois, só tive consciência mesmo no dia da tal conversa, no tal domingo, já sozinha, já em casa. Quanta loucura: saber que me senti dessa maneira anos depois.
Mas valeu. Tenho o hábito de, nos maus momentos, quando parece que tudo vai dar errado e que não há solução para nada, lembrar de sensações parecidas, passadas numa praia do Ceará ou dentro de um avião, o que me dá a esperança -certeza- de que vai passar.
Agora vou me lembrar também de Londres, pois no fundo tudo é bem parecido. E vou resistir à tentação de voltar em algum outro verão, à procura do que já foi, pois nenhum tipo de volta dá certo.
E sentir-se só no mundo não é tão ruim como dizem; pode ser, até, um grande momento.

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