domingo, 25 de dezembro de 2011

Turismo no Rio



Domingo, 25 de dezembro de 2011, por Danuza Leão, para a Folha de S. Paulo


     A melhor coisa do mundo é ser turista no Rio. Eles/elas chegam trazendo uma sacola com 2 bermudas, 5 camisetas, um biquíni, uma sandália de borracha, um boné, acordam cedo e saem para conhecer a cidade _ e que cidade.
     Um dia vão a Santa Teresa, o bairro mais charmoso que existe, e andam a pé, vendo casas lindas, descobrindo ruelas sem saída, parando várias vezes para comer um pastel, tomar um caldo de cana ou uma cerveja gelada, e conhecendobotequins e restaurantes que quase nenhum carioca conhece, só eles.
     O problema é a escolha: podem caminhar na pista Claudio Coutinho, que faz a volta do Morro da Urca, depois aproveitar a viagem e subir ao Pão de Açucar para ver a vista mais deslumbrante que existe. É um programa que nãopassaria pela cabeça de nenhum carioca fazer; eles acham brega, não sabem o que estão perdendo. E outra breguice maravilhosa é subir ao Corcovado, e na descida se aventurar pela floresta, com direito a um banho de cascata para refrescar. E pense: qual a grande cidade tem a sorte de ter uma floresta de verdade tão perto? Se estiver de carro, pode voltar pelo outro lado, descer direto na Barra, e escolher em que ponto dos muitos quilômetros de praia vai dar um mergulho.
      Vai poder também visitar o Sitio Burle Marx, e se extasiar com as centenas, milhares de plantas tropicais; depois,almoçar em um dos restaurantes das “tias” ali perto, em chão de terra batida, comer um camarão fresquinho, um peixe acabado de pescar, pagando 3, 4, 5 vezes menos do que num restaurante chique. E dar uma volta no Jardim Botânico, lembrando que era o lugar preferido de Tom (Jobim, claro), e se deixar levar pela memória, pensando nas músicas que o maestro compôs, muitas delas inspiradas por ali.
      Mas o Rio tem mais, muito mais.
      Um mercado de artesanato: quem não gosta? E não é programa obrigatório, quando se visita um país exótico? Pois aos domingos temos um, maravilhoso: é a feira Hippie, na praça General Osório. Lá você compra por 10, 20 reais, as pulseirinhas mais lindas, que estão nas vitrines das butiques por 100, 150, e mais colares e brincos, bolsas que vão fazer furor na volta para casa, calças compridas, blusas, pareôs, tudo bem baratinho, como a gente gosta, ainda com direito a comer um acarajé feito na hora por 6,50 (só os cariocas não vão à feira). Depois das compras feitas, mais um mergulho para arrematar o dia, e detalhe: a praia é a dois passos.
     Como moro no Rio, não costumo seguir esse roteiro, mas no fim de tarde faço como eles: boto um tênis e ando até o Arpoador. Na volta, paro num quiosque, tomo uma água de coco _ 4,00 _, fico vendo o sol se esconder atrás do morroDois Irmãos, e a cada vez levo me surpreendo com a beleza. Só vou para casadepois que escurece, mas eles, os turistas, continuam: como se fosse mágica, rola um som, a caipirinha aparece, e a festa continua até de madrugada.
     Ah, se eu fosse esperta mesmo, nas próximas férias iria para um hotel na frente do mar, me fantasiaria de turista e aproveitaria melhor a cidade onde tenho o privilégio de morar.
     PS – O governo do Rio é muito criativo; como, durante as obras do metrô, algumas ruas serão  fechadas ao trânsito _ o que vai impedir os moradores de ter acesso às garagens _, manobristas estarão à disposição para cuidar dos carros, não é lindo? E aproveitando: será que o visual das novas estações do metrô não podia melhorar? A da praça General Osório é monstruosa, e dá medo só de pensar que podem fazer algo parecido na linda Praça N.S. da Paz.

domingo, 18 de dezembro de 2011

ELAS & ELAS



Domingo, 18 de dezembro de 2011, por Danuza Leão, para a Folha de S. Paulo


Outro dia fui parar na Lapa, o lugar mais animado do Rio. Como a rua do Lavradio, onde se concentra a grande animação, é fechada aos carros, as mesas ficam nas calçadas e até no meio da rua, e às 8h a festa já bombava (o carioca inventou uma moda ótima: agora as confraternizações de fim de ano começam nos primeiros dias de dezembro, e éfesta o mês inteiro).
         A Lapa é democrática; tem de tudo, mas a grande maioria _ dá para ver _ é de pessoas simples, que saem do trabalho e vão ali tomar um chope, se divertir, lá o que mais tem é alegria. E quando a música _ ao vivo _ ataca, as mulheres vão para a pista de dança, e se não tiverem com quem, dançam sozinhas.
         Primeiro, o visual: quase nenhuma é magra, como ditam as modas. Umas são bem gordinhas, e não parecem estar minimamente preocupadas com o assunto. Usam roupas coladas no corpo, grandes decotes, barrigas de fora, saias curtíssimas, não se importam nem um pouco de mostrar as pernas _ com ou sem celulite _, e os pneuzinhos de cada lado da cintura; elas não estão nem aí. Essas moças, que não são especialmente lindas, e devem viver de salário _ um salário pequeno _, têm uma coisa invejável, que raramente se vê em moças magras, elegantes e ricas: a alegria de viver, o prazer de se divertir. E bom mesmo é ouvir as conversas, quando vão ao banheiro retocar a maquiagem.
         Sempre sorrindo de orelha a orelha, elas falam: “ele que me aguarde, não estou nem aí, homem é o que não falta”, é o mínimo que se escuta, e aí emendam com um “quando sair daqui vou para um samba na Dutra”. Para quem não sabe, a Dutra é a estrada que vai do Rio a São Paulo, e o mantra dessas moças tão felizes parece ser o “não estou nem aí”.
         Conheço muitas jovens magras, elegantes e ricas, infelizes porque estão 2 quilos mais gordas, porque o cabelo não foi cortado direito, porque o namorado sumiu e, por essas razões gravíssimas e outras, tão graves quanto, inseguras. Nos banheiros das casas noturnas chiques, o mais frequente é ouvir uma se lamentando, arrependida por não ter usado outro vestido (o que está usando engorda), outra contando que já marcou o dia de aumentar os seios, para curtir o verão, e todas, sempre, olhando o celular para ver se “ele” tinha aparecido; e segunda-feira, tome de analista para se queixar da vida.
         E nas praias? Que seja em Ipanema, Salvador ou Santos, se a maioria das frequentadoras desse importância a essas coisas, passaria o verão (e a vida) trancada num quarto escuro. O que mais se vê são moças fora de forma, segundo os conceitos atuais, mas totalmente à vontade, alegres e felizes, dando seus mergulhos, e provavelmente achando Giselle Bundchen _ quem mesmo? _ uma magrela. Esse “não estar nem aí” é a segurança que tantas procuram; elas não olham as páginas de moda, não sabem que uma mulher não pode _ segundo foi decretado _ ter mais de 90 de quadris, não sabem o que é fashion, nunca ouviram falar de dieta, nem sabem o que é a Daslu.
         E como não sabem, têm a liberdade de usar short de lycra, unhas compridas com esmalte bem colorido, boca vermelha brilhando, e se o namorado sumiu não estão nem aí, claro, pois o tempo que têm para se divertir é entre a noite de sexta e a manhã de segunda, quando acordam muito cedo para pegar no batente, então o lance é aproveitar a vida.
         Não sei se elas são mais felizes do que as outras, mas que se divertem muito, mas muito mais, disso não tenho a menor dúvida. 

domingo, 11 de dezembro de 2011

Dá para sonhar




Domingo, 11 de dezembro de 2011, por Danuza Leão, para a Folha de S. Paulo

Foi dada a largada para as festas, e de todos os lados se ouve o mesmo refrão: “ah, mas que chatice, odeio Natal, estou louca/o para chegar logo janeiro e tudo isso tiver acabado”. Alguns já compraram a passagem, estão viajando uma semana antes, para disfarçar que estão fugindo, e só voltam em 2012 _ e é por isso que não se encontra mais lugar em nenhum avião para nenhum destino.
       Já passei noites de Natal em casa de amigos, e elas são, sempre, rigorosamente iguais: as mesmas comidas, o mesmo troca-troca de presentes, as luzinhas da árvore piscando, piscando, as mesmas pessoas de todos os anos repetindo o mesmo texto _ Feliz Natal _, mas ficando pouco tempo, pois tinham pela frente outras festas espalhadas pela cidade, da sogra do irmão, da mãe do futuro genro, etc. etc., nessa loucura que são hoje as novas famílias.
       Mas ouço falar que existem os que curtem de verdade; não sei se pelo lado religioso _ será? _ ou pelo lado familiar. Há os que cruzam os oceanos, para poderem estar todos juntos e unidos nessa noite, e para esses o Natal começa em setembro, outubro. É quando combinam em casa de quem vai ser a ceia, quem leva o que, e começam as compras: presentes, papéis de embrulho, laços de fita, e os enfeites, os famosos enfeites da árvore, que a cada ano deve surpreender por ser maior e mais bonita que a do anterior. E o Papai Noel? Sempre haverá um herói na família para, num calor absurdo, se vestir de bom velhinho, com direito a peruca, gorro, barba e bigode. Onde se compra a roupa de Papai Noel? Mistério. E será que alguma criança ainda acredita em Papai Noel? Outro mistério.
       Mas as datas têm um peso, e os que não têm família _ ou acham que o Natal não tem nenhuma importância, é um dia como qualquer outro _, estão sujeitos a uma certa melancolia (e alguém encontra um analista dia 24 de dezembro?). Esses ligam a televisão e olham para o relógio a cada 10 minutos, para ver se já está na hora de poder tomar um tranquilizante, dormir, e só acordar dia 25 com um ufa!, já passou. Mas ainda tem o 31.
       Nessa noite é obrigatório ser feliz, e ai de quem estiver só, curtindo um amor que se foi ou lembrando das tristezas do ano que passou. E quanto mais alegres estiverem as pessoas nas ruas, mais fogos forem estourados para festejar 2012, mais sós e tristes vão se sentir. Não adianta o discurso de que é um dia como qualquer outro, porque não é; a pressão é grande, dela poucos escapam.
       E é inútil tentar brigar com o mundo; ainda é tempo de se organizar, combinar com amigos, aqueles que estarão tão sós quanto você, e combinar de passarem juntos a famosa data. Para isso, o ideal seria ter um bom ar condicionado, alguma bebida, muito gelo, e _ por que não? _ uma travessa de rabanadas, mas com afirme intenção de achar tudo normal. É claro que à meia-noite vão haver muitos beijos e abraços, muitos votos de feliz ano novo, mas é rápido, pronto, acabou. E atenção: beba com moderação, pois as ressacas do primeiro dia do ano costumam ser colossais, e podem ser confundidas com depressão; aliás, alguém já viu uma ressaca feliz?
       No fundo, bem lá no fundo, dá uma inveja danada dos que acreditam e festejam o Natal e o Ano Novo a sério; estas devem ser as pessoas mais felizes do mundo, mas por que não tentar entrar no clima e pensar que o novo ano vai ser maravilhoso, e que vamos ser felizes para sempre?
       Afinal, sonhar não custa.



segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

O que será que será ?



Domingo, 4 de dezembro de 2011, por Danuza Leão, para a Folha de S. Paulo



Quando uma mulher e um homem se vêem pela primeira vez, pode acontecer uma faísca; é quando bate.

Ela surge de uma imediata e inconsciente avaliação de parte a parte; pode ser com o cunhado, o feirante, o padre, o marido da maior amiga, e independe de beleza, charme ou classe social.

Essa estranha sensação pode não dar em nada, mas quanto mais intimidade você tiver com você mesma _ e com seus pensamentos _ mais rapidamente vai perceber o que está acontecendo, o que, aliás, é raro; a maioria das pessoas não identifica o que sente, até porque essa avaliação passa por uma fina peneira de censuras mentais _ morais e sociais.

Desde que a pessoa seja do outro sexo _ ou do sexo que lhe interessa _, perigo existe. É difícil botar em palavras sensações, mas tudo parte dessa faísca ser positiva ou não. Se ela não acontece, nem se pensa no assunto; mas se é positiva e se tem tempo e coragem para brincar, a fantasia pode ir longe. Se estiver tomando uma bebida, aí então ela é ilimitada.

Algum dia você largou seu freio de mão mental e deixou sua imaginação livre, como devem ser as imaginações? Vamos admitir: é difícil. E as convenções sociais, e os preconceitos, e o medo? Como aprendemos que se peca até em pensamentos, brecamos a maioria deles e depois não sabemos porque nossa cabeça é um nó. Mas se deixarmos eles correrem soltos será que as coisas ficam mais fáceis? Há quem diga que sim.

Logo no primeiro olhar fica definido se o outro é ou não possível. A sensação não precisa ser recíproca, mas quandoacontece, é imediatamente percebida pelos dois. Estabelece-se então uma energia que faz com que esse momento seja diferente, especial; o corpo fica tenso, o olho brilha, e você sente o prazer supremo, que é o de se saber viva.

Para alguns isso nunca acontece, e existe quem nunca soube, nem nunca vai saber, do que se trata. Já com outros, acontece até no leito de morte; basta entrar uma enfermeira gostosa, que a corrente se estabelece. Atenção: essa eletricidade é contagiosa, por isso tantos passam a vida sendo desejados, enquanto outros sofrem de um incurável desinteresse do sexo oposto.

Os mais corajosos, quando têm consciência do que está acontecendo, se deixam levar; aí começa o perigo, que para a mulher é sempre maior. Um homem que segue seu impulso e arrasta com ele alguém de classe inferior, digamos, é sempre compreendido _ até porque elessabem até onde podem ir. Já se a mulher tiver um caso com um motorista de caminhão, será um escândalo (fora que elas têm a mania de se apaixonar, o que faz toda a diferença). Aliás, pense nas coisas que devem acontecer coisas na vida de nossos amigos mais íntimos, e que nem podemos imaginar.

O tema é interessante, aliás, interessantíssimo, e vale sempre a pena saber a quantas se anda; se está viva ou se respira ligada nos aparelhos, que são a educação, a moral, a religião e os bons costumes.

Sendo assim, por mais que uma mulher seja um poço de virtudes, é temerário que ela fique perto de qualquer homem, porque homem e mulher, quando se juntam, ninguém sabe o que pode acontecer.
Esse é o perigo, e a graça. É a pulsão da vida.


segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Betty Catroux



Domingo, 27 de novembro de 2011, por Danuza Leão, para a Folha de S. Paulo


Outro dia pensei em Betty Catroux, ícone de elegância e sofisticação em Paris.
Filha de uma brasileira, Carmen Saint, ela é uma mulher de 61 anos, linda, glamourosa, loura, com os cabelos até os ombros (nunca mudou de penteado), mede 1m80, e pesa 50 quilos. Betty é casada com um famoso decorador francês, e foi a musa do grande gênio da moda, Yves Saint Laurent, que a considerava sua irmã _ gêmea.
Foi praticamente a maior manequim do costureiro, pois só se vestia com as roupas dele, mas sem ter jamais desfilado nem fotografado, profissionalmente, suas coleções _ mas quando se falava dela, se estava falando de Saint Laurent. Betty sempre declarou, com simplicidade, que nunca teve - e continua não tendo _ s a mínima idéia do que se passa na moda, pois não se interessa pelo assunto. Jamais comprou um só vestido, pois ganhava todos de presente do seu amigo, e foi nela que ele se inspirou, quando desenhou seu famoso smoking. Ela sempre se vestiu como um garoto: jeans, calças compridas, camisetas, camisas _ algumas luxuosas _, casacos de couro, sapatos sem salto. A declaração mais surpreendente de Betty, quando perguntada sobre o que fez e o que faz em Paris, sua resposta foi sempre a mesma, corajesamente: nada.
OK, ela tem um marido que deve ser rico, teve o privilégio de ser a maior amiga de um grande costureiro, mas em um mundo em que todas as mulheres são obrigadas a terem uma profissão, ou a escolher entre fazer ginástica, frequentar um curso de arte, se interessar por jardinagem, pintar porcelana ou viver de almoço em almoço, de loja em loja, para matar o tempo, ela responde, corajosamente: nada.
Acho o máximo; enfim uma mulher que não está na vida para fazer o que _ dizem _ as mulheres têm que fazer, para terem o direito de existi. Quanto a sua vida pessoal, que foi trepidante nos anos 60, ela diz que nos dias de hoje só faz ficar em casa com o marido, com quem é casada há 30 anos, e seus quatro gatos. Fazendo o que? Nada.
Ela não é dada às prendas domésticas, não acha a menor graça em comer, sorte a dela, continua deslumbrante, e odeia viajar, o que só faz quando tem um objetivo definido.
Betty teve uma vida que foi o máximo da sofisticação; saía toda as noites _ sempre com Saint Laurent _, e passava temporadas de sonho em Marrakech, onde os dias corriam soltos na casa deslumbrante que o costureiro tinha na cidade. Iam todos os dias ao mercado, se vestiam simplesmente, com caftans e sandálias que compravam dos artesãos locais, e assim passavam os verões, não fazendo rigorosamente nada.
Saint Laurent trabalhava, e muito: houve um momento em que desenhou 1.500 vestidos em 15 dias, sempre com Betty ao lado. Ela não se envolvia nas suas criações mas o inspirava, e enquanto ele foi vivo, nunca se largaram.
Cada pessoa é de um jeito, algumas enlouquecem, se não tiverem o que fazer, já outras não têm a coragem de viver como mais gostariam, isto é, sem fazer nada _ e isso não tem a ver com o fato de serem ricas ou não.
Estou falando da coragem de se assumir, o que Betty Catroux fez sem nenhum preconceito, e sem seguir a ditadura que diz que as mulheres têm que, etc. etc. Ela viveu e continua vivendo, linda e loura, fazendo o que mais gosta, isto é: nada.

domingo, 20 de novembro de 2011

Procura-se uma cozinheira




Domingo, 20 de novembro de 2011, por Danuza Leão, para a Folha de S. Paulo



Quando comecei a ler a coluna de Fernando Rodrigues da última quarta-feira, aqui na Folha, logo no primeiro parágrafo pensei: "ah, achamos a mesma coisa; Nizan não podia ter usado o espaço da Folha para um assunto pessoal, isto é, para encontrar uma cozinheira". Mas quando continuei a leitura, vi que não era bem por aí.

Tenho grande admiração por Fernando Rodrigues, acho Nizan um super profissional, não sou amigona de nenhum dos dois, mas já que Fernando se manifestou sobre a coluna do Nizan, me dou ao direito de me manifestar sobre a coluna de um e de outro.

Apesar do tom brincalhão, Nizan na verdade publicou um anúncio, em espaço nobre, procurando uma cozinheira _e imagino que muitas devem ter aparecido querendo trabalhar em sua casa. Mas é o tal negócio: quem procura um funcionário para qualquer função põe um anúncio e paga por ele. No caso _e no meu entender_ foi um abuso, pois os jornais vivem de seus espaços publicitários e, claro, Nizan não pagou nada _e deve até ter recebido, para escrever a coluna. É um problema de não misturar as bolas: anúncio é anúncio, opinião é opinião.

Vamos agora à coluna de Fernando.

Não existe, em português, a tradução exata para "chef de cuisine". Depois que a gastronomia entrou na moda (no Brasil), os restaurantes estrelados têm "chefs de cuisine" que ficam famosos, aparecem na imprensa, viram celebridades. Sempre foi assim em outros países, aqui é mais recente.

Imagino que uma pessoa rica, que tem uma casa grande e pode arcar com a despesa, gostaria muitíssimo de ter um "chef de cuisine" em casa, mas só se usa chamar de "chef" quem trabalha em restaurante. Uma cozinheira é considerada como alguém que tem uma profissão "menor", mas ser "chef" _cozinheiro_ pode, e é até chique.

Quando Fernando diz que, ao escrever "procura-se uma cozinheira", Nizan mostra "como é resiliente o velho Brasil no nosso cotidiano", e diz também que "até em cabeças como a dele sobrevive um pedaço renitente do Brasil antigo e profundo", nosso grande jornalista, querendo denunciar o preconceito, acabou sendo preconceituoso, logo ele.

Ser cozinheira é uma excelente profissão, uma profissão nobre, pois a culinária de um país é parte importante de sua cultura, e foi descascando legumes que começaram todos os célebres "chefs de cuisine". Muitos deles são, hoje, donos de restaurantes, os mais talentosos têm os seus em várias capitais do mundo, e produtos com seu nome no rótulo. Uma boa cozinheira vale ouro, e ganha mais do que muitas executivas de grandes empresas. Ter um dom é uma coisa preciosa, seja ele escrever, fazer publicidade ou cozinhar.

De uma pessoa que gosta de ficar em casa, que pouco sai, que aprecia seu lar, diz-se que tem índole doméstica. Por outro lado, quem tem um emprego, seja ele qual for, é empregada/o. Então, se uma mulher trabalha em serviços dentro de um recinto doméstico, é uma empregada doméstica, não uma "secretária do lar", como pretendem os politicamente corretos. Qual a ofensa em ser uma empregada? No meu entender, nenhuma. Eu me considero uma empregada da Folha; não é ela que me emprega? Por que funcionária pode, e empregada não? São apenas palavras.

Queria eu ter uma casa enorme _e os meios_ para ter uma maravilhosa cozinheira, e se ela fosse baiana, melhor ainda. Já tive uma, Lizete, que importei de Salvador, e lembro com saudades do tempo em que melhor comi na vida.

É o que eu tinha a dizer, apenas minha opinião.

sábado, 12 de novembro de 2011

A inútil tolerância zero




Domingo, 13 de novembro de 2011, por Danuza Leão, para a Folha de S. Paulo

Foi aprovado no Senado o projeto que exige teor zero de álcool para motoristas que bebem e dirigem. Existirão outras maneiras, além do bafômetro, para saber se eles beberam: exames de alcoolemia (nível de álcool no sangue) e clínicos, perícia, provas testemunhais de imagem e vídeo e até a avaliação de um médico para dizer se o motorista está ou não alcoolizado. Beleza.
Mas vamos imaginar que à 1h30 da madrugada a polícia pare um carro, por suspeitar que ele está sendo dirigido por alguém que tomou umas cervejas; vai levar o motorista a um hospital, para fazer exames clínicos? Procurar um médico, para atestar que ele bebeu? Procurar fotos ou vídeos, para comprovar o caso? Ir ao bar onde ele estava para ter testemunhas sobre seu consumo de álcool? E se ele não quiser ir, pode ser obrigado? Segundo a lei, não, pois ele tem o direito de se recusar para não se incriminar, o que significa que tudo vai ficar exatamente como está.
A coisa certa seria, além da tolerância zero, obrigar os motoristas a fazer os testes necessários, e o do bafômetro seria suficiente. No meu entender, essa recusa deveria ser considerada uma prova, igualzinho ao exame de DNA. Ninguém é obrigado a fazer o exame, mas se não fizer, é considerado o pai da criança. Alguns muito importantes até escapam, mas isso é outra história.
Por que razão uma pessoa que não bebeu se recusaria a fazer o teste? Os que passaram a noite tomando refrigerantes vão fazê-lo com o maior prazer. Exigir o teor zero é uma boa coisa; alguns ficam alegrinhos com um copo de vinho, e outros, mais fortes para a bebida, precisam de copos e copos para ficarem como o diabo gosta. Por essas razões, o teor zero, radical, é necessário, mas não é possível os motoristas poderem se recusar a ser examinados, seja de que forma for, para saber se beberam.
Muita gente tem morrido, sobretudo em São Paulo, em acidentes causados por motoristas alcoolizados. É preciso que nossos nobres juristas encontrem uma maneira de tirar das pessoas o direito de se recusarem a fazer o teste, e que esse direito seja tirado de todos, sejam eles ricos, pobres, empresários, deputados ou senadores, esse é o xis do problema. Encontrar alguém que leve o carro em casa e ser multado é uma brincadeira.
Será que ninguém pensa no tamanho da tragédia, quando uma pessoa morre por culpa de um motorista bêbado? Os pais, os irmãos, os filhos, todos morrem um pouco. As famílias se desestruturam, muitas se vêem, de repente, sem poder pagar a prestação do apartamento, o colégio dos filhos, seguir a vida, enfim _isso além da tristeza que vai acompanhá-los pela vida inteira.
Tolerância zero para os que dirigem depois de ter bebido? Palmas para a medida, mas vou repetir: enquanto um motorista puder _amparado pela lei_ se recusar a fazer o teste do bafômetro, o exame de sangue, se submeter ao parecer de um médico, para que se saiba, comprovadamente, se ele bebeu ou não, nada vai mudar, nada.
Eles vão continuar a beber e a dirigir, e as pessoas vão continuar morrendo.

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Ainda Lula



Domingo, 6 de novembro de 2011, por Danuza Leão, para a Folha de S. Paulo

Desde que a doença de Lula foi conhecida, ficou tudo esquisito; o ex-presidente é uma figura pública, maispública que um cantor de sucesso ou um ator de novela, e paira no ar um baixo astral parecido com aquele do tempo do Tancredo. Só que os boletins do Tancredo mentiam, e esses de agora dizem a verdade, a verdade nua e crua. Os petistas estão mal e os não petistas, como eu, também estamos.
Para um homem como Lula, ativo, falante, que não conseguia ficar quieto, não deve estar sendo fácil. Com a recomendação de falar o menos possível, Lula vai ter muito tempo para pensar, coisa que não parece fazer parte dos seus hábitos; e para ele, que era levado sobretudo pelo instinto, pensar muito pode ser perigoso.
Pensar nos leva sempre a fazer um balanço da vida, lembrar do que fizemos, dos erros e acertos, e não há quem não se arrependa de algumas das coisas que fez. Isso é bom ou ruim?
Quando se pensa nas boas coisas é bom, mas pensar nas menos boas faz com que se troque de pensamento, já que não há como mudar o que foi feito; aí se abre a geladeira, se pega um jornal, se telefona para um amigo, se deixa pra lá. Mas quando não se pode falar, e por um bom tempo _ o que parece que vai acontecer com Lula _, é difícil. Ele não parece ter o hábito de ler, e só ver televisão, para um homem habituado a uma atividade intensa, é pouco.
Steve Jobs não teve tempo de inventar uma maquininha que transformasse os pensamentos em sons _ e sob um certo aspecto, ainda bem. Se os efeitos da quimio permitirem, seria o caso de Lula tomar umas aulas de digitação, e com alguma ajuda, que certamente não faltaria, escrever o livro de sua vida. Sua história é conhecida, mas ninguém conhece a história inteira de ninguém, e essa poderia ser uma maneira de ter um interesse, enquanto recupera a saúde. Não posso deixar de pensar, com tristeza, na vida desse homem nos próximos três, quatro meses, sem poder fazer o que mais gosta e melhor sabe fazer, que é falar.
Foi falando que ele chegou onde chegou, foi falando que convenceu metade do país a votar em Dilma, foi falando que foi chamado de “o cara”. Será que religião nessa hora ajuda? Será Lula religioso? Não parece.
A doença colocou o ex-presidente de novo no centro dos holofotes, e por seu desejo pessoal, boletins médicos falarão, várias vezes por dia, sobre a evolução da doença. Isso é aplaudido por alguns, mas no que me diz respeito, vou procurar saber como vai sua saúde só uma vez por dia. Em não sendo uma pessoa próxima, não quero ficar viciada _ como fiquei na época de Tancredo _, o dia inteiro diante da tv, para saber ae o tumor tem dois ou três centímetros, se Lula está sendo tratado por quimia ou radio, se fará cirurgia, ou o que.
Vou continuar ligada, vou continuar desejando que Lula saia dessa, vou torcer pelo Corintians até que ele fiquebom, pois isso vai lhe dar alegrias, mas vou também pensar em outras coisas. A vida continua, como dizem. Mas se fosse comigo _ e espero que isso não me aconteça _ preferiria não ter a minha saúde contada em detalhes, pela televisão, e sendo assunto de conversas, mesmo que fossem todas a meu favor.
Apenas uma maneira de ser.

Coisas que nos unem



Domingo, 30 de outubro de 2011, por Danuza Leão, para a Folha de S. Paulo


Na última quarta-feira fui ao banco pagar meus impostos, e quando cheguei no caixa o funcionário _ que eu nem conhecia _ me contou a novidade, sorrindo: “o ministro sai hoje, acabei de ouvir no rádio”. Houve logo uma espécie de confraternização; as pessoas que estavam na fila atrás de mim também tinham ouvido, e começaram a comentar, uns falando com os outros, como se fosse gol do Brasil num final de Copa. O clima ficou animado como nunca é, numa fila de banco, e lembrei de uma cena inesquecível e parecida, acontecida há muitos anos, aqui no Rio. Eu estava no centro da cidade, quando surgiu no céu um arco-iris tão colorido, tão nítido, tão alegre, tão perfeito, que as pessoas na rua falavam umas com as outras,apontavam com o dedo e perguntavam “você viu que lindo?” Uma cena não tem nada a ver com a outra, mas no fundo tem.
Quem ficou mal na foto? Em primeiro lugar Lula _ “político tem que ter casca grossa” _, e em segundo a própria Dilma, que poderia ter um pouco mais de autoridade e fazer o que seu instinto manda, e instinto não lhe falta; ou ela tinha alguma dúvida sobre o fim dessa história?
A presidente não desperta grandes simpatias, mas é preciso separar as coisas: gostar ou não de alguém, quandoesse alguém é uma figura pública, não tem nada a ver com o reconhecimento de suas qualidades e defeitos. Apesar de Dilma ter trabalhado tanto tempo com Lula, deu para acreditar que ela pudesse ser diferente: no caráter, na aversão aos “malfeitos”, no seu aparente desconforto com a corrupção em geral, na coragem de tomar uma atitude. É verdade que ela já fez rolar várias cabeças, mas sempre de maneira vacilante, deixando as coisas chegarem ao limite, evitando dar um murro na mesa. Hoje ela deve estar feliz, pois talvez possa fazer (em breve) aquilo de que mais gosta: nomear outra mulher para seu ministério.
Mas voltei a pensar na queda do ministro e no arco-iris, e no que une as pessoas que nem se conhecem: geralmente as grandes alegrias e as grandes tragédias. E de pensamento em pensamento _ já que neles a gente não manda _ pensei em uma coisa bem banal, que não énenhuma novidade, mas importantíssima para os cariocas: o verão está chegando; devagarzinho, mas está.
No Rio, quase todos os dias do ano são de sol, o céu é sempre azul, as praias estão sempre cheias, mas isso não tem nada a ver com o verão de verdade. Quando ele chega, se percebe pela água do mar, que muda de côr, pelo cheiro da maresia, pelo canto das cigarras, pelocomportamento das pessoas.
Os homens se tornam mais atrevidos, e as mulheres acolhem esse atrevimento cheias de alegria; há meses elas se preparam _ fazendo ginástica, passando fome, cuidando do novo guarda-roupa _ para o acontecimento mais esperado do ano que é o verão, onde tudo pode acontecer, e geralmente acontece.
É a temporada da democracia, quando as diferenças de classe desaparecem, com homens e mulheres usando as mesmassandálias Havaianas, as mesmas camisetas, tomando a mesma água de coco, tudo baratinho; com um top de paetês comprado no camelô, a festa já está pronta .
Assim foi, é e será todos os anos, e até a quarta-feira de cinzas ninguém vai querer saber se o ministro caiu ounão, porque nada é mais importante, no grande balneário que é o Rio, do que o verão.

sábado, 22 de outubro de 2011

O poço que não tem fundo




Domingo, 23 de outubro de 2011, por Danuza Leão, para a Folha de S. Paulo



Quando uma pessoa normal, como eu, precisa fazer uma pequena obra em casa _ infiltração no banheiro, por exemplo _, chama uma firma e pede um orçamento. Nesse orçamento está incluída a parte hidráulica, alguma coisa de eletricidade, mais o serviço do pedreiro, eventualmente alguns azulejos, e a pintura. Eu acho caro, peço mais dois orçamentos; um deles é a metade do primeiro, o outro, o dobro. Como saber qual é o preço justo? Essa é uma situação comum, mas que me paralisa.
Imagine agora um ministério distribuindo verbas imensas, para que crianças carentes participem do mundo dos esportes. Como saber o preço para manter 1.500 _ digamos _ adolescentes com uniformes, alimentação, mais o equipamento esportivo, manutenção das quadras, e por aívai? Quem controla o $$$ que cada ONG recebe? Aliás, é sempre bom desconfiar quando ouvir “sem fins lucrativos”. Quem paga com seu próprio dinheiro, procura encontrar os uniformes de preço mais razoável, as bolas de vôlei menos caras, a merenda mais adequada à garotada que pratica esportes; mas duvido que quem recebe o dinheiro do Ministério do Esporte faça como as pessoas comuns. Para eles, dinheiro do governo é uma coisa vaga, não tem dono, não é de ninguém.
Mas é, sim; é dinheiro nosso, e ontem, quando estava lendo as denúncias graves que atingem o ministro dos Esportes, o telefone tocou. Era o contador, dizendo quanto eu devo pagar de Imposto de Renda até o fim do mês _ o pagamento é trimestral. Como, segundo alguém, a parte mais sensível do ser humano é o bolso, doeu; doeu e eu senti, na carne, para onde meu dinheiro ia. Não dá.
Como bem diz nossa sábia presidente, todo mundo é inocente até prova em contrário, mas nunca se vai saber quais os critérios para decidir a que ONGs o dinheiro vai ser destinado, e por que aquelas, e não outras _ e quem recebe propina não assina recibo. Esquecendo a propina, que é um mero detalhe _ 20 % _, o fato de um ministério destinar tanto dinheiro para a Associação do Kung-Fu, para a Federação Paulista de Xadrez,para a Liga do Futebol Society do Distrito Federal, já seria motivo mais do que suficiente para demitir o ministro. Os que dançaram até agora foram da era Lula; quem é mesmo que enchia a boca quando falava em herança maldita? E cansa, ler e ouvir as mesmas palavras, sempre iguais: “nego todas as acusações”.
A Copa está chegando, envolve muita grana, cada um puxando a sardinha para sua brasa, as obras de estádios e aeroportos estão atrasadas, não dá para ter certeza de que tudo estará pronto, mas Deus é brasileiro, dizem. Eu não entendo de economia, mas sei que se qualquer pessoa, assim como qualquer país, gastar mais do que pode _ e mal _, não costuma dar certo. E o trem-bala, e a usina de Belo Monte? Nunca mais se ouviu falar.
Agora, parece que chegamos ao fundo do poço: já estão roubando merenda de criança. Mas que ninguém tenha ilusões: esse poço não tem fundo, e nunca vai se saber deninguém que tenha sido preso.
PS – Pelo que sei, as passeatas contra a corrupção, contra o voto secreto e a favor da ficha limpa é “combinada”, digamos assim, pelo face book, twiter, etc; e quem não frequenta as redes sociais, como vai ficar sabendo, para poder participar?

sábado, 15 de outubro de 2011

Falando de igualdade




Domingo, 16 de outubro de 2011, por Danuza Leão, para a Folha de S. Paulo



Em breve teremos um novo ministro no Supremo Tribunal Federal _ aliás, quanta demora _ e a presidente Dilma deverá escolher entre quatro nomes cotados para o cargo. Nenhum homem faz parte dalista.
Muito bonito, dar força às mulheres, nomeá-las para cargos importantes, mostrar ao mundo que o Brasil acredita na igualdade dos sexos, etc. e tal; mas menos, presidente, menos. Não é possível que no país inteiro só existam quatro pessoas com capacidade para exercer o cargo de juiz do STF, e que as quatro sejam mulheres. Aliás, já está mais do que na hora desses ministros serem nomeados por outros critérios, não por escolha pessoal do presidente em exercício (e indicações dos aliados), nem é preciso dizer porque.
Quantas ministras temos no governo? São 9 ou 10, fora as que exercem altos postos na administração _ e já tem uma prontinha para ser nomeada para um ministério que ainda está sendo criado; até agora são 39, será que não chega?
Lembro de quando Dilma tomou posse; havia mulheres seguindo (correndo) o carro que levava a presidente rumo ao Palácio do Planalto. Uma sugestão: trocar a guarda que fica na rampa do palácio _ aquela que usa um capacete com plumas _ por exemplares do sexo feminino. Aliás, o modelito combinaria.
Esse excesso de proteção é incômodo; há, nas entrelinhas, um ranço antigo, como se as mulheres não tivessem capacidade para conduzir suas vidas, seja isso lá o que for. Só que elas têm sim; têm capacidade para dirigir um caminhão na estrada, um Boeing, para terem altos cargos na Segurança Pública, para presidir o FMI, e até para serem eleitas presidente de um país. Esse proteção exagerada, essas nomeações exageradas _ e o discurso insistente da presidente _ as faz parecer crianças incompetentes, frágeis, incapazes, que precisam de “uma força” para chegar a alguma coisa. Mentalidade mais velha do que a Sé de Braga, e mais 1970, impossível.
Não adianta existir uma lei obrigando os partidos a terem 20 % de candidatos dosexo feminino; se poucas se candidatam a cargos eletivos, é porque não querem, elas têm esse direito. As leis, ah, as leis; não existe uma que proíbe roubar? E onde estão os ministros _ e aquela ministra, lembra? _ que fizeram recentes “malfeitos”? Alguém sabe se está rolando uma sindicância, um processo, se algum dia vamos saber em que deu tudo que um dia foi manchete? Silêncio absoluto.
Essa história de fazer discursos sobre as conquistas femininas ficou velha, e a humanidade não pode ser dividida entre homens e mulheres; ela é constituída de pessoas. Pessoas essas que deveriam ter o direito, garantido pela Constituição, às coisas mais elementares, e no lugar desse blá-blá-blá, seria melhor cuidar do que é essencial. Desculpem, mas vou repetir o óbvio: saúde, segurança, educação.
O Brasil é _ deveria ser _ um país livre, onde as mulheres podem fazer tudo, inclusive posar para uma publicidade de soutien e calcinha, sem que isso setorne um problema de Estado.
É triste, mas a verdade é que os mais fortes serão sempre os vencedores, independente do sexo a que pertencem, e discurso algum vai mudar isso. O mundo sempre foi regido pela lei da selva, das savanas da África a Wall Street, e assim continuará sendo.
Modernize-se, presidente.

domingo, 9 de outubro de 2011

Só no dicionário




Domingo, 9 de outubro de 2011, por Danuza Leão, para a Folha de S. Paulo



Quais as qualidades mais valorizadas nos dias de hoje?

Bem, como tudo mudou, vou falar de algumas, as que dão mais ibope, e não pela ordem.
É preciso ser ligado, antenado, e sobretudo bem informado; é aquele que presta atenção a tudo, a quem nada escapa. Com esses predicados, é possível abrir as portas para uma carreira brilhante e um futuro promissor, e se tiver também alguma inteligência, o sucesso é garantido. Afinal, é através das boas informações que são feitos os grandes negócios e as tramas políticas acontecem. Mas é preciso também ser esperto para usar essas informações na hora certa, com a pessoa certa. Esperteza, essa sim, uma enorme qualidade. Quem tiver esse dom pode se tornar milionário e poderoso, o objetivo supremo de toda a humanidade _ de quase toda, digamos.
Cultura já esteve mais em alta, mas tem sua vez em algumas rodas, e conhecer profundamente um assunto _ mesmo só um _ costuma deixar as pessoas de queixo caído. Mas não se esqueça: seja ele qual for, vá fundo e mostre-se um expert. Que seja algo de original: a civilização egípcia, por exemplo. Como poucas pessoas viram umamúmia de perto, esse é um belíssimo tema para ser jogado num jantar de 6 pessoas _ elas vão babar de admiração, e você vai brilhar sozinho. Os mistérios do fundo do mar e a vida sexual dos cangurus também podem agradar, mas fuja da astrologia e da psicanálise, que já deram tudo que tinham para dar. Astronomia, quem sabe? Vinhos, melhor beber do que falar deles, e de viagens, nem pensar.
Outra qualidade muito valorizada é a dos que lêem os jornais _ bem. Todos os do Rio e de São Paulo, claro, e talvez de mais uns quatro estados. Mas tem que ser falado a sério, para poderem dizer, como quem não quer nada, que concordam _ ou discordam, isso não tem a menor importância _ com a divisão dos royalties do pré-sal.
Saber esgrimar com as palavras também faz grande sucesso, mas é perigoso: sempre pode haver alguém mais talentoso e ferrar você de vez. Mas quando quiser falar mal de alguém, seja irônico _ é mais cruel, não compromete, não dá processo _ e nunca diga nada que possa ser repetido: fale bem, mas usando tons de voz e sorrisinhos que vão arrasar, de vez, aqueles de quem você não gosta.
Mas um dia você se lembra de que há muito, muito tempo, existiam qualidades bemdiferentes dessas, e que hoje não fazem o menor sucesso. Tem sentido, hoje em dia, dizer de alguém que ela tem um excelente caráter? Que é sincera? Que nela você pode confiar? Se você gosta de verdade dela, é melhor ficar calado, pois pega até mal dizer essas coisas de um amigo.
E existem ainda outras de que não se ouve falar há tanto tempo, mas tanto, que já virou até coisa de época. Passa pela cabeça dizer que uma pessoa é sensível, terna, delicada, bem-educada, que tem um grande coração? Pega até mal; e passa pela sua cabeça que uma pessoa é bondosa?
Procure lembrar há quantos anos você não ouve falar de um gesto de bondade, não recebe um olhar de bondade, não ouve nem pronuncia a palavra bondade _ se é que isso ainda existe.
Se não souber do que se trata, procure no dicionário, e talvez encontre; talvez.

sábado, 1 de outubro de 2011

A verdade de cada um




Domingo, 2 de outubro de 2011, por Danuza Leão, para a Folha de S. Paulo



Ninguém sabe o que o outro pensa, o que acha, o que quer, o que pretende fazer; sobretudo, do que é capaz de fazer. Uma pessoa não sabe o que se passa na cabeça de quem dorme com ela na mesmacama há 20 anos _ e talvez seja melhor assim. E quem pode afirmar saber quem é seu pai, quem é sua mãe, quem são seus filhos? Aconselho a quem estiver lendo a não responder a essa pergunta, para não dizer bobagem.
Existem homens que, depois de um longo casamento, saem de casa para comprar cigarros e nunca mais voltam. Segundo seus familiares, eles nunca tinham dado uma pista de que a vida não estava boa; que poderiam, de repente, tentar um outro rumo. Sempretive curiosidade de saber para onde vão esses homens que somem, e nunca mais são encontrados. Será que planejaram o que iam fazer, ou foi um impulso da hora? E em sua nova vida, terá mudado de cidade, de profissão, de nome? José Dirceu mudou até de cara, mas em se tratando de pessoas normais, nunca se vai ter essa reposta, pois os que fazem isso desaparecem, e para sempre. São muito estranhas, as pessoas.
Esses pensamentos me perturbam, desde que li sobre o caso do menino de 10 anos que assassinou a professora e depois se matou. A polícia está investigando, interrogando os colegas, e os pais _ pobres pais _ não vão escapar de ter que responder a perguntas cruéis; existe também a suspeita de ele ter sofrido bullying, o que, para alguns, seria uma explicação. Aliás, para esses alguns, o bullying, tão na moda, pode explicar tudo.
Mas por mais que todos – a polícia, os colegas, as professoras, a família, os psicólogos _ se esforcem, esse caso não será, jamais, esclarecido. Ninguém nunca soube, e nunca saberá, o que se passou na cabeça desse pobre menino. As hipóteses podem ser muitas, e o que todos procuram é a verdade, essa coisa abstrata que pode ser várias, dependendo de cada um.
Como o pensamento é livre, tenho uma opinião: o menino levou o revolver para a escola talvez para mostrar aos colegas, de pura traquinagem infantil; apontou a arma, ela disparou, e o tiro acertou a professora. Em se tratando de um garoto tranquilo, bom aluno, sem nenhum indício de ser violento, ele teria se desesperado ao ver o que aconteceu, daí o suicídio. Posso estar totalmente errada, mas como cada um tem o direito de imaginar qualquer coisa, foi o que me ocorreu.
Alguns coleguinhas estão contando que ouviram do menino que ele estaria falado em matar a professora. Mas crianças, além de terem uma imaginação fértil, também mentem muito; talvez por não saberem das consequências de suas palavras, talvez por se sentirem importantes e adultas, por estarem sendo interrogadas por policiais, a verdade é que não se pode confiar muito no que elas dizem.
E nem sempre as coisas têm uma lógica. Será que pessoas perfeitamente normais podem ter um momento de loucura, e nesse momento fazer coisas em que nunca tinham pensado? Será que um revolver na mão dá uma sensação tão grande de poder, que leva alguém a cometer um ato de total desvairio? Pode ser que não, mas também pode ser que sim. Já lemos muito sobre isso.
Mas o caso do menino que matou a professora e que depois se matou _ disso eu tenho certeza _ está condenado a não ser, jamais, esclarecido.

sábado, 24 de setembro de 2011

Perigosas tentações




Domingo, 25 de setembro de 2011, por Danuza Leão, para a Folha de S. Paulo



Encontrar um antigo amor é sempre embaraçoso _ e complicado. Um dos dois fez o outro sofrer, claro, por isso não dá para dizer (nem ouvir) um “oi, tudo bem?”, que poderia soar como uma cruel indelicadeza.

Em lugares com muita gente é possível disfarçar, apertando os olhos e fingindo que ficou míope, por exemplo. Podetambém atender o celular (que não tocou, mas dá para fingir que ele vibrou), e cortar a possibilidade de uma conversa. E conversar sobre o que? Política, o último filme? Sobre o passado? Difícil, um encontro desses, e quando essas duas pessoas tiveram um grande caso de amor há muitos e muitos anos, nunca mais se viram e o acaso fez com que eles se encontrassem, aí é muito grave.
Primeiro é o susto, seguido de uma fração de segundo para reconhecer _ quem diria? _ o que foi uma grande paixão. Essa hesitação acontece com os dois; não que um tenha se esquecido do outro, mastudo aconteceu há tanto tempo, que quando esse encontro acontece a ficha leva alguns segundos para cair.
Ele vai tentar reconhecer nela aquela mulher que tanto amou _ sem conseguir. Ela vai achar que o tempo foi cruel com ele, esquecida de que o tempo passou para ela também.
Mais do que qualquer ruga, foi a expressão do olhar que mudou. Por expressão do olhar entenda-se o brilho das ilusões dos 30 anos, das esperanças, da certeza de que o amor seria eterno. O tempo passa e a vida vai nos fazendo menos crédulas e mais práticas; menos românticas, sobretudo.
Quando eles se olham, se dão conta de tudo isso e de muito mais; sabem que cada marca no rosto, cada fio de cabelo branco, é resultado de outros amores que aconteceram desde a última vez em que se viram, das experiências pelas quais passaram, um sem o outro. É a dolorosa constatação de que a vida passou.
Para elas, é sempre pior, já que as mulheres costumam ser dramáticas. Como é possível perguntar a um ex-grande amor o que aconteceu nos anos em que não se viram, se ele sofreu quando se separaram, se esqueceu, se se apaixonou de novo? E não poder dizer que em todos esse tempo nunca surgiu outro homem que apagasse a lembrança de tudo que eles foram, que quando toca a música que era a deles seu coração ainda bate forte, e que ela nunca perdeu a esperança de que ele um dia aparecesse dizendo que foi tudo um grande erro, que queria ela de novo para sempre; como dizer isso a um homem que não vê há 20anos? Não dá, simplesmente não dá.
Quando esse encontro acontece e os dois vão, civilizadamente, tomar um vinho, a conversa pode ser perigosa, e é melhor que mintam nem mostrem fotos dos filhos. O que está feliz não fala, por delicadeza. E o outro, que não é infeliz nem feliz, também se cala. Problemas sentimentais podem ser contados a amigos, não a ex-amores.
Mas tem pior. É quando ela reencontra esse homem que não vê há tanto tempo, esse homem por quem teria feito todas as loucuras, e não sente absolutamente nada. E pensa: “como é que eu perdi tanto tempo com esse cara?”A auto-indulgência a poupa de pensar “como eu era boba”
Por essas razões e mais umas 500, é prudente deixar o passado em seu devido lugar; mas se acontecer um desses encontros e pintar a vontade de voltar no tempo, é melhor ser forte e resistir à tentação. Mesmo sofrendo, se for o caso.
Em certas coisas não se deve mexer, e o passado é, decididamente, uma delas.

sábado, 17 de setembro de 2011

O luxo


Domingo, 18 de setembro de 2011, por Danuza Leão, para a Folha de S. Paulo


Mesmo para quem já possue casa, carro, casa de praia, etc., sempre existirão objetos de desejo. Supondo que você seja uma pessoa normal, sem grandes ambições de quadros valiosos e jóias inacreditáveis, quais são as coisas que despertam em você aquela vontade louca de ter e aquele prazer imenso quando consegue? Nesses tempos tão modernos, é difícil saber.
Houve uma época em que as coisas mais banais eram uma festa; uma barra de Toblerone comprada no free-shop enchia de alegria os corações infantis _ e os adultos também. Ganhar de presente uma camiseta da Banana Republic ou um cinto da Gap era o suprasumo do prazer, efazer uma viagem, uma emoção indescritível. Tudo era raro, e por isso tão especial. Mas agora, os Toblerones são vendidos nos sinais de trânsito, e as camisetas importadas, nos camelôs. Teoricamente é ótimo: não é mais precisoviajar para ter um pote de mostarda Dijon na geladeira _ lembra da festa que foi, quando o salmão defumado virou o frango da classe média alta? Ótimo é, mas a graça mesmo, essa acabou.
Em qualquer lugar do mundo você come exatamente as mesmas coisas, e pode comprar a mesma bolsa no Rio, em São Paulo, Nova Iorque, Tóquio ou Singapura, todas rigorosamente iguais; as grifes se banalizaram, o que foi lançado a semana passada em Londres, já chegou aqui, e para ter acesso às coisas é apenas uma questão de conta bancária.
Mas apesar de quase tudo ser franqueado, ainda existem coisas especiais, únicas, às quais podemos ter acesso; é só procurar, sem ir atrás das modas. De um pequeno restaurante que não faz parte de nenhum guia gastronômico a uma artesã de uma pequena cidade no interior de Pernambuco, que faz lenços bordados de puro algodão sem um só fio sintético, com suas iniciais bordadas; esse restaurante nunca vai ter filiais, e essa bordadeira nunca vai vender suas peças para nenhuma cadeia de lojas.
Existem coisas bem além da vã filosofia dos consumidores compulsivos, ávidos para comprar o que foi decretado que é moda. A banalização deveria ser crime previsto no código penal, mas quando surge umrestaurante incrível em qualquer lugar do mundo, na semana seguinte caravanas estão se organizando para ir conhecê-lo, só porque ouviram falar.
Nem todos conhecem os endereços onde se encontra coisas que nunca serão popularizadas, mas todos podemos exercer nossa capacidade de sair da mesmice, do comum e da vulgaridade que impera no mundo atual. No lugar de fazer como todo mundo, pesquise, procure e ache um cinto único, uma camiseta única, um restaurante modesto, no fim de um beco, onde vai comer a melhor comida do mundo e que não está em nenhum guia da moda.
Esses achados _ que não são necessariamente caros _ são preciosos, porque foi você quem procurou, encontrou, são únicos, e só você tem; isso é que eu acho que é o verdadeiro luxo. Achava, aliás.
Hoje eu penso que luxo, luxo mesmo, deve ser morar em um país em que se possa andar na rua sem olhar em volta com medo de ser assaltado, em que se abra os jornais durante uma semana, só uma, sem ler sobre malfeitos, palavra que não está nos dicionários, mas que virou sinônimo de corrupção, escândalo, roubalheira.
Deve ser mesmo muito bom.
PS – É hora de pensar, mais uma vez, na inesquecível pergunta de Eliane Cantanhede em artigo aqui na Folha: “afinal, o que é que a baiana e o Sarney têm?”

sábado, 10 de setembro de 2011

Mudanças



Domingo, 11 de setembro de 2011, por Danuza Leão, para a Folha de S. Paulo


Existem pessoas que moram a vida inteira na mesma casa, sem nem mudar o sofá de lugar, e são muito felizes. Já para outras, cada uma tem prazo de validade, e enquanto esse prazo não está esgotado, exercem sua inquietação quebrando paredes, trocando os móveis de lugar. Meu limite são 7 anos, e quando chega a hora, imagino que estou, também, trocando de vida; de modo de viver, digamos. E achando, sempre, que a próxima será a definitiva; nunca é, mas gosto de pensar assim, porque adoro escolher minhas ilusões.
Há 2 semanas me mudei, e não foi fácil. Como meu novo apartamento é menor, tive que esvaziar os armários e muita gente ficou feliz com as heranças. Parte dos livros foram doados a um sebo _ alguns eu nunca tinha lido, outros nem sei porque estavam na estante; fiquei só com os do coração, a mesma coisa com os CD’s. Basicamente, eliminei o supérfluo; aliás, quem precisa de supérfluos?
A cada objeto, cada blusa, cada prato, foi preciso decidir: levo ou cancelo? Tomar uma decisão já é difícil, mas dezenas, durante dias, eu chamo de sofrimento. Afinal, tudo que eu tenho _ tinha _ foi escolhido, comprado com cuidado, querendo muito, e uma separação é sempre dolorosa, mesmo que seja de coisas. Para mim, é.
Mas consegui, já estou instalada, e tem razão quem diz que uma mudança é o terceiro maiorestresse pelo qual um ser humano pode passar. O pior já foi, e agora estou vivendo uma nova fase: ainda não me habituei à casa nova. Quando abro os olhos de manhã, preciso de uns segundos para saber onde estou, o que é meio angustiante, e percebi que estou fazendo uma certa cerimônia com a casa. Evito sentar no sofá novo, e ainda não consegui descer para conhecer as redondezas.
Meus planos eram perfeitos: como estou perto da praia, descer todas as manhãs bem cedo para tomar 1 hora de sol, e, à tarde, dar uma volta, ver o mar, beber uma água de coco. Até agora, não consegui; apesar de estar a 4 quarteirões de onde morava, me sinto uma estrangeira.
Mas dois fatos que aconteceram me fizeram rir muito. Era hora do almoço, precisei falar com o porteiro, aquele que tem quebrado meus galhos; liguei pelo interfone, perguntei por ele, e ouvi a seguinte resposta “foi jogar bola, só volta às 2h”. Que maravilha; em que país do mundo, em que cidade do mundo, um porteiro aproveita a hora do almoço para jogar bola? Mas ainda teve melhor: dois dias depois, procurei de novo por ele, e a resposta foi ainda mais fantástica. “Foi dar um mergulho, volta às 2h”. Só mesmo no Rio.
Rio esse, aliás, que se comportou estranhamente mal no 7 de setembro. Houve manifestações contra a corrupção em várias cidades do país, Brasilia brilhou; no Rio, nada. Mas soube que vão acontecer passeatas na cidade, tomara.
A coisa mais bacana foi não terem deixado nenhum partido mostrar faixas com a sigla, para ficardono da manifestação. Os únicos políticos que têm o direito de participar _ e devem _, são os 9 senadores que se declararam, publicamente, contra a corrupção.
PS – Esse agora famoso cargo de ministro do TCU, tão disputado pelos deputados Aldo Rebello e Ana Arraes, mãe do governador de Pernambuco Eduardo Campos _ que conseguiu até o apoio do prefeito de SP, Kassab _, é o emprego com que todos sonham: vitalício e com um bom salário, para que o ungido não precise se preocupar com o futuro. Eduardo Campos é o filho que toda mãe gostaria de ter.

domingo, 4 de setembro de 2011

Porque não me ufano do meu país



Domingo, 4 de setembro de 2011, por Danuza Leão, para a Folha de S. Paulo

A classe política nunca foi flor que se cheirasse (fora as exceções, etc.), mas a cada nova eleição ela consegue ficar pior. Fico pensando nesses deputados que absolveram Jacqueline Roriz; o que é que eles dizem a seus filhos? Como se explicam? É bem verdade que, sendo o voto secreto, eles podem sempre mentir e dizer que votaram pela cassação, mas será que cola? Mas ainda tem pior: o vergonhoso secretário de Transportes do Rio, Julio Lopes, que depois da tragédia com o bondinho de Santa Teresa tentou botar a culpa no pobre do condutor que tinha morrido; é de uma falta de caráter revoltante.
Depois dessa tragédia, que deixou 5 mortos e mais de 50 feridos, qualquer Secretário de
Governo (sério) teria a obrigação de se demitir; se não o fizesse, o governador teria a obrigação de demití-lo. Mas como o governador é Sergio Cabral, ele continua no cargo; quando perguntado, 3 vezes, se ia demitir o “secretário”, ele simplesmente não respondeu. Quanto tempo falta para acabar esse governo que o Rio não merece?
Se fosse naArgentina ou no Chile o povo iria para a rua; no Brasil _ no Rio _, o máximo que acontece é uma passeatinha muito frouxa, diante do mar _ isso se estiver fazendo sol, para pegar uma praia depois. Aqui, as coisas não acabam em pizza, mas em samba. O governo é o que é, e a oposição, ninguém sabe, ninguém viu. Enquanto isso, os escândalos se sucedem, e a presidente já deixou claro que não vai continuar a faxina _ “faxina é para acabar com a pobreza”, diz ela. Sem corrupção, presidente, o país teria dinheiro para a saúde, a educação, as estradas, etc., e isso me lembra do que dizia o saudoso ministro Mario Henrique Simonsen: “fica mais barato pagar a comissão e não fazer a obra”.
Tremo em pensar na Copa do Mundo; no preço que vão custar as reformas, nas licitações que não vão haver, devido à urgência _ tiveram todo o tempo do mundo e deixaram tudo para a última hora. Aliás, tanto faz. Alguém acredita que alguma licitação no Brasil é séria? Estamos cansados de saber que é tudo combinado antes, viva a criatividade brasileira. Mas o ministro do Turismo, amiguinho de Sarney, continua firme e forte no seu posto. Aliás, é só olhar para para saber que ele é o homem certo para o lugar certo.
Mais do que pelo dinheiro que vai ser afanado, tremo em pensar que um estádio pode cair, como caem as pontes pelo Brasil a fora, por ter sido mal feito, por terem misturado areia com o cimento, para o lucro ser maior. Houve um tempo em que a corrupção era mais personalizada, para usar a palavra da moda; hoje, qualquer escândalo é seguido por “formação de quadrilha”. Que se trate de Fernandinho Beira-Mar, ou dos mais importantes ministros do governo _ desse governo e do outro, o último _ a corrupção agora é coisa de quadrilha.
E prefiro não fazer as contas de quanto tempo falta para as eleições majoritárias, para não pensar nas caras dos governantes rindo muito e voando, de estado em estado, nos jatinhos dos empresários, para ver os jogos do Brasil. E, a cada vez que nossa seleção ganhar, considerar e fazer cara de que a vitória é um pouco deles.
Cansei, mas vou continuar votando; é o que posso fazer.

domingo, 28 de agosto de 2011

Certos momentos


Domingo, 28 de agosto de 2011, por Danuza Leão, para a Folha de S. Paulo
Outro dia – era um sábado - saí de manhã para fazer umas coisas bem pouco interessantes, tipo comprar cabides, lata de lixo, um armário para a área, etc.; mais sem graça, impossível. Quando terminei, eram 2h da tarde e eu estava com fome. Por coincidência, quando vi, bem ao lado, um restaurante que adoro, de comida baiana. Entrei, pedi uma caipirinha e um acarajé. Eu estava tranquila, tinha conseguido liquidar minha listinha e, sedenta e faminta, ia beber e comer exatamente o que queria. O restaurante foi enchendo, e a única mesa com uma só pessoa era a minha.
Algumas pessoas me olharam meio de banda, possivelmente achando estranho uma mulheralmoçando sozinha num sábado de sol. Talvez tenham pensado que eu havia levado um bolo, ou que era uma pobre coitada que não tinha amigos com quem almoçar, ou sei lá mais o que. Terminei meu acarajé, que aliás estava ótimo, pedi mais uma caipirinha e uma moqueca de camarão. Comi muito, mais do que devia, mas estava tudo tão bom, mas tão bom, que eu acho que merecia.
Quando estou comendo, só presto atenção e muita _ ao que estou fazendo; mas quando terminei, e só então, comecei a olhar as pessoas. Em uma das mesas elas eram 6, queconversavam alto, todos falavam, e pareciam alegres; em outra um casal de turistas, tipo lua de mel, felizes da vida, e havia uma _ também de 6 _ em que todos riam e gargalhavam, parecendo se divertir muito.
Aí fiquei pensando (uma mania que tenho). Será que os quem riem e dão gargalhadas são mais felizes do que os que apenas conversam, talvez até sobre as mais banais banalidades? E mais do que os que estão sozinhos?
Ficou combinado que quem sorri muito, ri muito, gargalha muito, é mais feliz do que os sérios, mas não sei se para viver bem _ e não estou falando de felicidade _ é mesmo fundamental estar sempre rindo.
Pensei que se estivesse em qualquer daquelas mesas, não estaria melhor do que estava, ali, sozinha. Quem inventou que rir é mesmo melhor do que não rir? Eu já ri muito, muito mais do que rio agora, e isso não me faz a menor falta; aliás, tenho horror aos profissionais em dizer coisas engraçadas, que são a alegria da festa, que fazem os outros gargalhar. “Vamos jantar sim, vai ter fulano que é ótimo, divertidíssimo”; essa frase, aliás, já é uma boa razão para eu não ir.
Continuei mais um tempo na mesa, e tão bem, que ainda pedi uma cocada branca de sobremesa, e pensei que inventam umas coisas nas quais as pessoas acreditam; talvez, naquele sábado, muitos homens e mulheres acreditaram no que ouviram dizer, e estavam infelizes por estarem em casa, porque não tinham com quem almoçar, alguém engraçado, para que eles rissem um pouco; qual.
Vou repetir, para que não haja engano: eu não estava vivendo nenhum momento de intensa felicidade. Mas estava tão bem, mas tão bem, que naquele momento não precisava de mais nada na vida; de nada. Já passei por momentos assim algumas vezes, e lembro de todos eles, porque foram todas inesquecíveis, e aprendi
a
identificar, na hora, quando eles acontecem, assim, a troco de nada; será que isso tem um nome?
E, curioso: em todos eu estava absolutamente só.

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Acelera Dilma



Domingo, 21 de agosto de 2011, por Danuza Leão, para a Folha de S. Paulo
A Presidente está surpreendendo. Sua fama era de competente e durona, mas de não saber fazer política, ser incapaz de negociar. 
Pois a "saída" do ministro da Agricultura foi uma surpresa.

Ela conseguiu o que queria -se livrar de Wagner Rossi-, na moral, sem precisar bater de frente com o PMDB. Palmas para ela, e vexame para sua "base de apoio"-aliás, apoio a eles mesmos-, cujos deputados sumiram quando souberam do desfecho.

Em seu discurso de posse, a presidente estendeu a mão à oposição, coisa que há oito anos não acontecia; agora, dez senadores (só dez!) -todos de reputação inatacável- fizeram um gesto em direção a Dilma, oferecendo a ela apoio, para que a faxina continue.

Aceite, presidente; é uma boa hora para fazer novas amizades e se firmar como grande brasileira.

Nos encontros que tem tido com Lula, em diversas bases aéreas do país, imagino os conselhos que Dilma recebe. A governabilidade acima de tudo etc. etc., e 2014, claro.

A presidente parece obediente, mas sabe muitíssimo bem o que é certo e o que é errado, seu mestre foi Brizola; será que algum dia sonhou que teria que se reunir com Michel Temer e José Sarney, para "sentir" se podia ou não demitir um ministro apadrinhado por eles?

Afinal, não foi para isso que Dilma abriu mão de sua juventude, que foi presa e torturada.

Seu dever de lealdade é, em primeiro lugar, para com os que a elegeram, e só depois a Lula, isso se achar que deve; afinal, a presidente é ela, eta herança mais maldita.

Ela não precisou dar um murro na mesa para se livrar dos dois ministros que já se foram; ainda faltam alguns, é verdade, mas ela é mineira, tem paciência para esperar a hora certa. Caindo o terceiro ministro desta leva, que está quase, Dilma podia aproveitar o embalo e diminuir o número de ministérios, começando pelo da Pesca, que não dá para entender.

Com os acontecimentos da semana, a próxima pesquisa deverá ser mais favorável, e em sua nova fase ela deveria apontar aquele seu dedo ameaçador diretamente aos políticos que só pensam nas emendas, as famosas emendas.

Depois do deslumbramento inicial, aliás compreensível, fantasio que às vezes Dilma pense "por que eu fui me meter nessa?"

Cercada pela sua falta de experiência política, e vigiada de perto por Gilberto Carvalho, que dá os recados de Lula, sua vida não deve ser fácil.

Aliás, o que teria feito Lula com essa crise nos ministérios? Faria um discurso bem popular, esbravejando, como sempre, e diria que a culpa era toda da imprensa. Aliás, é bom lembrar que, se não fosse a imprensa, Palocci ainda seria o ministro mais poderoso do governo.

Estou começando a confiar mais em Dilma, e adoraria poder elogiar coisas que ela faz mais vezes, muitas vezes. Mas vamos combinar: cada vez que ela fala, é um desastre; decididamente, nossa presidente não nasceu com o dom da palavra.

E nem precisa; basta fazer o que deve, o que é certo.