domingo, 19 de maio de 2013

ERA UMA VEZ



Domingo, 19 de maio de 2013, por Danuza Leão, para a Folha de S. Paulo          
Outro dia eu estava num café; sentado ao meu lado, um jovem bem jovem, 28 anos, já casado. Havia uma TV, e na tela, cantando e dançando, Ricky Martin. Como sou meio desligada, perguntei ao garoto _um garotão, praticamente_ se o cantor não tinha sido do grupo Menudos. Tive a impressão de ter dito uma palavra em javanês; ele fez um esforço de memória e perguntou: Menudos? Custei a entender: ele nunca tinha ouvido falar dos Menudos. Não que fosse alguém alienado do panorama musical; apenas uma questão de faixa etária.
            Passei uns momentos testando: ele sabia quem havia sido Doris Day? Tinha ouvido falar de Grace Kelly, Rita Hayworth, Ava Gardner? Não, ele nunca havia ouvido falar de nenhuma dessas pessoas. Desisti, claro.
            No início fiquei chocada, mas logo logo me coloquei e imaginei: se ele citasse algum dos cantores de rock atuais, algum conjunto bem moderno, qualquer um, desses que vão tocar no Rock in Rio, sabe qual seria a minha resposta? Zero.
            É muita informação; são muitos cantores, muitos conjuntos, muitos tipos de música, não dá para esperar que a nova geração tenha ao menos ouvido falar dos que foram nossos ídolos. Nos tempos em que a informação era mais discreta, era fácil ter ouvido falar em Napoleão, e fico pensando: o que pode ser desculpado, quando se fala em nova geração? Com que idade se tem o direito de não saber quem foi Gagarin, que Woodstock existiu, que um dia o mar de Copacabana era muito mais próximo dos edifícios, que no Maracanã havia a Geral, de onde os torcedores assistiam às partidas em pé, que todos os apartamentos, mesmo os de quarto e sala, tinham área de serviço e quarto de empregada, que houve maio de 68, no Brasil teve 64, que os alunos dos colégios usavam uniforme e quando o professor entrava na sala de aula os estudantes se levantavam e davam bom dia ou boa tarde, dá para acreditar? E nem faz tanto tempo assim.
            O colégio; no início do ano era cheio de novidades. As crianças ganhavam uma lancheira de metal nova, onde levavam um pãozinho doce, uma fruta que não precisasse de faca _tangerina ou banana_, e só. Ganhavam também uma régua de madeira, um compasso, um lápis Faber nº 1 e outro nº 2 (o apontador era daqueles de manivela, preso na mesa da professora), borracha e uma caixa de lápis de cor. Dependendo da condição econômica dos pais, essa caixa era de seis lápis, 12 ou 18, e essas últimas deslumbravam as mais pobrinhas. E os lápis franceses Caran D’Ache, que só uma das alunas tinha, eram o sonho impossível de todas as meninas.
     Agora acredite: havia aulas de delicadeza, já ouviu falar? Nessas aulas se ensinava, basicamente, a como se comportar, como cumprimentar uma pessoa, como se sentar, e nos boletins, que eram mensais, entre as notas de geografia, matemática etc., também havia as notas de educação física e de comportamento, que contavam ponto para passar ou não de ano.
           Não havia lanchonete; à venda, apenas mariolas, que eram retângulos de bananada passados no açúcar cristal, e paçocas; quem tivesse sido apanhada conversando durante a aula tirava nota baixa no quesito comportamento, além de perder o recreio e ficar de castigo na capela. Se a infração tivesse sido mais grave, o castigo seria ficar de joelhos no milho, aos sábados nos confessávamos para comungar no domingo _em jejum, com um veuzinho branco na cabeça_, quem não fosse à missa caía em pecado mortal, e se morresse antes de confessar e ser absolvida pelo padre, ia para o inferno.
           Tudo isso aconteceu nem faz tanto tempo assim, e nunca ninguém pensou que o ano 2000 fosse chegar.

Nenhum comentário:

Postar um comentário