domingo, 6 de janeiro de 2013
A repetição
Domingo, 6 de janeiro de 2013, por Danuza Leão, para a Folha de S. Paulo
Uma viagem costuma ser assim: primeiro você inventa, depois se programa, acerta o roteiro, as datas, reserva o hotel, e fica contando os dias para a partida. Ele chega, enfim.
O avião costuma sair à noite, e como já está tudo resolvido _ malas fechadas, quem vai cuidar do gato, etc. etc. _, você passa o dia inteiro sem fazer nada, pensando seriamente na razão pela qual vai viajar; a casa está tão boa, os amigos por perto, não faz sentido atravessar um oceano para se instalar num quarto que é a metade do seu, e curtir. Mas ficou combinado que não se pode desistir de uma viagem por nada, então, vai; se arrastando, com dor na coluna, mas vai.
Realidade, seu nome é aeroporto. Não é preciso falar das horas passadas no avião cheio de crianças barulhentas, da chegada arrasada, arrastando uma mala de rodinhas com o laptop que levou para poder ler os jornais do Brasil e saber como vai a política; vamos fazer de conta que foi tudo uma maravilha. Até foi, se formos simplistas e acharmos que o fato de o avião ter chegado, e as malas não terem sumido faz com que uma viagem seja uma maravilha.
Aí você toma um taxi, o motorista por acaso é simpático, e você vai indo para o hotel desempre, com o qual sonha há meses, e durante o percurso pensa, como aliás em todas as viagens: “o que é que estou fazendo aqui?” e não encontra resposta satisfatória.
É bem recebida, o pessoal do concierge te conhece há anos, larga as malas no quarto e sai para dar uma volta e se sentir na cidade. Afinal, Paris é Paris.
Percebe que não está com aquela coceira de comprar alguma coisa, seja o que for, só assim, para nada. Como está com fome, para num bistrot e pede uma coisa que adora:ostras com um copo de Chablis. Tá bom, não tá? Devia estar, mas não está. Enquanto toma o vinho, percebe o quanto já conhece esse filme, que é sempre o mesmo. Amanhã vai estar melhor, no fim da semana melhor ainda, adorando tudo, e pensando seriamente em se mudar de país para sempre. Digamos que não para sempre, mas por uns 3 meses. Pretende até ir ver uns studios para alugar, mas tem consciência de que não quer fundar um lar, gosta mesmo é de um hotel, e é isso que procura em uma viagem.
Ainda tendo pela frente 3 semanas para curtir sua querida Paris, curte, mas já sabendo como esse episódio vai terminar. Quando chegar de volta ao Rio, e vir 6 sambistas no aeroporto às 4h da manhã (é véspera de carnaval), com um calor de 38º, vai ter vontade de dar meia volta e ser moradora de rua em qualquer lugar onde não tenha tanto samba, tanta alegria, tanta animação, tanto sol.
Dureza é chegar em casa e abrir as malas: tirar as botas, os casacos de lã, mandar para o tintureiro, e o pior de tudo: a readaptação à vida real.
Para que isso aconteça, são necessárias de 2 a 3 semanas, mas um dia acontece. Como felizmente temos o dom de esquecer, é exatamente nessa hora que se começa apensar na próxima viagem, que vai ser, provavelmente, igual a essa e a todas as outras, e assim a vida continua.
De Paris: eu já sabia que a livraria La Hune, entre o Café de Flore e o Deux Magots ia se mudar. Mas saber é uma coisa; ver, outra. Quando me instalei na terrasse doFlore, e olhei à esquerda, no lugar da antiga livraria, vi um espaço vazio, em obras; uma tristeza. E quando vi os toldos já no lugar, com a marca Louis Vuitton, quase chorei. La Hune, símbolo de St. Germain des Près, cedeu seu lugar para que ali seja instalada uma loja LV? É o fim do mundo.
No dia 29 de dezembro, nas três lojas Hermès de Paris havia pouquíssimas agendas para vender, e só alguns poucos modelos; um verdadeiro choque, para quem não vive sem elas. As lojas Hermès sem agendas no final do ano? É o fim do mundo.
E enfim uma boa notícia: as coleções primavera/verão já chegam às vitrines, e tenho o prazer de anunciar que aqueles sapatos que parecem botas, e sobem pelas pernas feito polvos, deixando as pernas das mulheres com 5 centímetros, já eram.
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