domingo, 20 de janeiro de 2013
As classes sociais
Domingo, 20 de janeiro de 2013, por Danuza Leão, para a Folha de S. Paulo
Aí você sai para jantar com amigos e vai a um restaurante bem chique. O maÎtre, que de paletó preto e calça listada parece até um noivo, é cheio de gentilezas; faz maneirismos, propõe pratos interessantíssimos e ainda diz que o chef pode fazer qualquer coisa que você invente, só para te dar prazer. Por outro lado, os garçons não deixam seu copo ficar vazio um só instante, e ficam de olho para ver se o pão acabou, se o guardanapo caiu no chão, tudo para seu conforto efelicidade.
Aí, uma noite você volta ao mesmo restaurante e como o clima está bom, a bebidadescendo bem e todos alegres, a noite vai passando, as outras mesas vão indo embora, menos a sua, que vai ficando, ficando, até ser a única que sobrou.
Lá pelas tantas os funcionários começam a ir embora; um dos maÎtres, daqueles tão elegantes, sai vestindo uma camisa de algodão feia e de má qualidade, com uma capanga debaixo do braço. Aos poucos vão saindo os garçons; a maioria usa camiseta com uma estampa, algumas do seu time do coração, todos loucos parachegar em casa e poder descansar. Aí então você tem uma súbita percepção darealidade, pensa que passou a noite num teatro, e mais: fazendo parte do espetáculo.
Aqueles funcionários tão educados e de tão boas maneiras são pessoas que passam parte da vida representando, e depois de lidar com as comidas e bebidas mais caras, quando terminam o trabalho vão esperar o ônibus para voltar para casa, uma casa modesta onde alguém está esperando: a mãe, uma namorada, ou mulher e filhos já dormindo, já que não puderam sair mais cedo porque seu grupo ficou dando risada e dizendo bobagem.
É curioso que esses garçons, que te tratam tão bem, não se despedem quando estão indo embora. Na hora da volta à realidade, quando o espetáculo termina _ já na vida real, portanto _, garçons não falam com clientes. Já pensou encontrar na praia, que é o lugar mais democrático que existe, aquele que é tão solícito e simpático, vocês dois de calção? Vão sorrir um para o outro da mesma maneira? Provavelmente não vão nem se reconhecer.
Você bebe seu penúltimo drink pensando nessas loucuras da vida. A conta de uma das mesas resolveria o problema de fim de mês daquele garçom; o que se passa nacabeça dele? Será que fica feliz porque tem gente consumindo, o que é a segurança do seu emprego, ou enquanto serve e é gentil pensa no preço do vinho italiano e tem vontade de quebrar a garrafa _ cheia _ na cabeça do cliente que já pediu mais uma? Não necessariamente para matar, só para fazer aquele estrago, e exatamente na cabeça daquele que dá as maiores gorjetas. E alguém tem o direito de dar uma gorjeta, alta ou baixa, só porque quer? Porque pode? É muita humilhação.
Mas não faz nada; dentro de sua relativa ignorância _ ou sabedoria _, sabe que pegaria vários anos de cadeia se fizesse o que está com vontade de fazer, esabe também que ninguém entenderia; afinal, sempre foi considerado um funcionário exemplar.
Ela vê tudo isso como se fosse um filme; toma mais um drink, o último, dá várias risadas, as últimas, e vai para casa pensando se não seria mais feliz se não pensasse em tanta bobagem.
Tanta bobagem?
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Foi um início e tanto,um "reinício", um ponto crucial em uma trajetória espetacular! É um prazer ter acompanhado de longe e parcialmente. Não faz muita diferença a distância e a parcialidade quando o sucesso é grandioso! O reconhecimento veio e vem vindo, o talento já estava na artista desde sempre. Ou ao menos desde 1984, quando eu ficava impressionado com a maneira pela qual ela lidava com as cores. Se a Bebel se afirma uma quase-ilustradora o quase não é quantitativo, mas é referente a territórios. Ela navega por interstícios pouco conhecidos ou até mesmo novos. Não é possível enquadrá-la. É artista, pois esse rótulo não enquadra, nem é rótulo: abre e libera! Viva Bebel Franco!
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