domingo, 22 de abril de 2012

Uma vocação


Domingo, 22 de abril de 2012, por Danuza Leão, para a Folha de S. Paulo


É muito difícil encontrar o caminho. Como um garoto pode saber o que pretende ser quando crescer?  Do ponto de vista profissional é impossível, a não ser para os raros privilegiados que desde criancinhas botam tala nas perninhas quebradas dos passarinhos, e por isso sempre acharam que queriam ser médicos. Mas, sinceramente: alguém em sã consciência pode, aos 15, ter a certeza de que pretende passar a vida no pregão da Bolsa de Valores?
As coisas vão acontecendo, as ocasiões se apresentando e, como dizem os gaúchos, é preciso estar atento para montar o cavalo quando ele passar arreado. Ele sempre passa, e é só você olhar para trás e lembrar de tudo que já aconteceu em sua vida para reconhecer que talvez o cavalo tenha passado várias vezes —só que você não viu.
Na vida pessoal/afetiva é a mesma coisa. Quantas vezes não aconteceu de aparecer alguém com quem você poderia ter vivido uma bela história, mas que não foi nem considerado na época porque seu coração batia mais forte quando outro chegava —sobretudo quando não chegava; e nem é preciso dizer que foi ele que te largou.
Ah, se na hora a gente soubesse que é preciso não perder nenhuma oportunidade, seja em que campo for, para não chorar no futuro pelas chances que não chegou a ter, pela pior das cegueiras: a cegueira mental.
Então você tem 20 anos e acha que quer trabalhar com moda, porque desde os 17 só pensa nisso. Isso significa que mesmo que esteja estudando e fazendo todos os estágios nas mais gloriosas das faculdades do mundo, está há três anos com uma idéia fixa, e é aí que mora o perigo —ou pode morar.
É maravilhoso saber o que se quer e trabalhar com perseverança para chegar lá, mas a fila está andando; espere que sua grande chance chegue —talvez—, mas, enquanto não acontece, faça coisas, qualquer coisa, mas faça.
Seu sonho é fazer um documentário, mas ainda não conseguiu captar os recursos necessários —é, a vida às vezes é dura, e somos todos injustiçados e incompreendidos. Se alguém te oferece um trabalho por 15 dias, coisa modesta, tipo encapar livros ou ajudar a fazer pulseiras de artesanato, você aceita ou se sente ofendida? Pois aceite: talvez possa descobrir uma vocação que nunca havia percebido para criar bijuterias, talvez acabe criando jóias de verdade e se torne uma nova Paloma Picasso —que para falar a verdade era uma péssima designer, e de maravilhoso mesmo só tinha o nome. No meio do caminho tudo pode acontecer, até mesmo descobrir que sua verdadeira vocação é mexer com metais— e daí para virar escultora é só um passo.
E existem os mares, as florestas, os desertos, os aviões, o carnaval, a televisão, os sabores, a política, o aprendizado, as crianças, o frio, os espelhos, o prazer de andar descalça na grama, a internet, os peixes, o amor, os livros, o vento, a chuva, o futuro, o passado, a memória, a esperança, o sono, a água, o fogo, as letras, os números, o deserto, as religiões, a história, e o melhor de tudo: a imaginação. Não posso conceber que alguém ache a vida um tédio; e de pelo menos uma dessas coisas você pode gostar apaixonadamente.
Vá ao mercado perto de sua casa, olhe um abacaxi e pense no milagre que é a natureza, milagre que se repete em cada fruta, cada árvore, e que uma vida inteira seria pouco para refletir sobre o que é o paladar, o aroma, a textura de cada uma dessas coisas que se olha todos os dias, mas não se vê.
De descoberta em descoberta, o perigo é um dia você descobrir o que mais queria: sua verdadeira vocação.
Se isso acontecer vai ser bom, mas cuidado: você vai abrir mão de todas as outras possibilidades —o que é sempre uma pena.


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