domingo, 27 de maio de 2012

Olé


Domingo, 27 de maio de 2012, por Danuza Leão, para a Folha de S. Paulo

Está difícil viajar; por isso, quando vou tirar umas férias, penso muito, na hora de decidir para onde vou. Tirando Paris, claro, meus critérios são:

         1 – não vou a lugares que estão na moda.

         2 – só viajo fora de estação, quando as cidades estão mais vazias, para não ter que ver os ônibus de turistas tirando fotos com celulares.

         3 – viagens para mim são aquelas em que posso arejar a cabeça e ver coisas bonitas, semobrigações de “não pode deixar de”. O “não pode deixar de” acaba com qualquer viagem, aliás, com qualquer vida. Por isso gosto de lugares não globalizados, onde não existem as Ralph Lauren, Prada e Vuitton da vida. Não que eu não goste de comprar; até compro, (com moderação) mas esse, para mim, não é um item fundamental.

         4 – dou uma pesquisada básica sobre a culinária local, pois adoro comer, mas nunca fui ao El Bulli, quando ele existia; reservar um restaurante com 6 meses de antecedência, para contar que fui, nem pensar. Por essa razão, nunca tive vontade de conhecer a Bolivia, Cuba, Viena, o Canadá, nem os países escandinavos, mesmo sabendo que o restaurante cotado em primeiro lugar no mundo é dinamarquês, o Noma. E detesto cidades onde as hamburgerias são ostensivas, ou que os restaurantes sejam conhecidos pelos nomes dos seus chefs.

         Seguindo esses critérios, estive em Sevilha no final de abril, e fiquei maravilhada. Conheci a cidade há muitos anos, tantos que não quero nem pensar, e está tudo igual: Sevilha não se modernizou, não vi nenhuma periguete de coxa de fora, pouquíssimas pessoas usam tênis, as carruagens, com 3, 4 ou 5 cavalos, todos da mesma cor, continuam nas ruas, todos se vestem discretamente, e vejo isso como fruto de uma cultura muito sólida, que não se deixou seduzir pelas modernidades. É uma cidade viva, cheia de cores, alegre; como era primavera, os canteiros de todas as ruas estavam floridos, e as árvores (também nas ruas), cheias de laranjas maduras _ aliás, as melhores laranjas do mundo, só comparáveis às do Marrocos.

         Havia turistas, sim, mas não em bandos barulhentos; eram tão discretos, que nem pareciam turistas. Em Sevilha não existe o frenesi das compras, pois as lojas só vendem o que tem a ver com a cultura local: vestidos de sevilhanas longos, com muitos babados, pentes enormes para segurar as mantilhas, xales com franjas de todas as cores, castanholas, sapatos para dançar o flamenco, e mais ou menos só. Sem a pressão do consumo, dá para apreciar a cidade com calma, tomar um “fino” (xerez) a qualquer hora, em qualquer bar de tapas, e passear pela cidade a pé. Se almoça às 2h30, depois do almoço se faz a siesta, como todos os sevilhanos, e jantar, só depois das 10h, sem correria. Ninguém tem pressa em Sevilha.

         Em nenhum lugar, a nenhuma hora, se ouve um som tipo bate-estaca ou música de elevador; a que se escuta é sempre a local, o que ajuda a entrar no clima. Como fui na semana da “feria”, festa tradicional da cidade, havia mulheres de todas as idades, dos 3 aos 90, vestidas de Carmen, personagem da ópera de Bizet, que era sevilhana; nas lojas, nos restaurantes, nas igrejas, de manhã, à tarde, à noite.

         E como se come bem em Sevilha, mas como se come bem. Cada um tem seu paladar, e o meu, depois dessa viagem, virou totalmente espanhol. No momento, com toda a crise, a Espanha é o lugar ondemelhor se come no mundo, e muito mais barato que no Brasil.

          Sevilha, com bons amigos, é uma fuga desse mundo caótico em que vivemos, e na volta você até pensa que foi tudo um sonho.

          E sabe por que _ e principalmente _ Sevilha é essa maravilha? Porque não está na moda.



domingo, 20 de maio de 2012

De sacolinhas e pieguismos



Domingo, 20 de maio de 2012, por Danuza Leão, para a Folha de S. Paulo



 Há uma eternidade venho lendo nos jornais a polêmica sobre as sacolinhas de plástico dos supermercados, e confesso que nunca me interessei muito pelo assunto.

        Houve uma trégua, agora falam de novo, e continuo sem refletir, quando vou ao supermercado, se devo levar uma sacola ecológica ou não.

        É claro que todos queremos um mundo menos poluído, que um saquinho de plástico leva 400anos para desaparecer, etc. etc, mas não posso deixar de pensar.

        Praticamente todos os produtos que se compra em qualquer supermercado já vem embalado, da fábrica, em plástico; se eu comprar 2 mangas e uma bandejinha de frango, asmangas serão colocadas dentro de um saquinho de plástico, e o frango já estará embrulhada em plástico, numa bandejinha de isopor. Mas para levar as mangas e o frangopara casa, devo ter uma sacolinha de palha, é isso? Se a compra é grande, e eu peço para levarem em casa, tudo que eu tiver comprado _ absolutamente tudo _ chegará, separadamente, em sacolas plásticas, as mesmas que não se deve usar quando se leva o produto. Então, que história é essa de sacolinhas biodegradáveis? Algum plástico deixará de ser usado nas feiras, nos hortifrútis, nas papelarias, nas embalagens de louça, de quadros, onde o plástico bolha é fundamental? Os plásticos são e continuarão cobrindo os alimentos na geladeira, os sacos de lixo continuarão sendo de plástico, e mais um milhão de coisas de que não me lembro vão continuar exatamente como são, mas há quem ache que as sacolinhas dos supermercados, se eliminadas, vão salvar a vida do planeta. Se as sacolinhas forem proibidas, você pode comprar uma, no próprio supermercado, mas vai pagar por ela R$ 0,17, e aí tudo bem. Mais um produto a ser vendido, que bom para os donos.

        Está aí uma discussão que me escapa, que não consigo compreender, por favor, que alguém me explique.

                                   Xxx

          É muito bom um governo que cuida dos mais necessitados, que pensa nas crianças, na moradia para os mais pobres, etc. etc. Mas será que é mesmo necessário que cada uma das bondades que o governo atual proporciona seja chamada por títulos tão piegas? Não seria possível melhorar essa nova renda para os que têm filhos até 6 anos sem precisar chamá-lo de Brasil Carinhoso? Mais do que nunca, deve-se perguntar quem é o criativo autor encarregado de inventar esses nomes.

          Isso se chama pieguice, coisa que existe para provocar, nos mais ingênuos, a sensação de “ah, como esse governo é bonzinho” _ se possível, com os olhos marejados. Mas no dia em que esses mesmos ingênuos tiverem mais escola, mais educação, e lido os livros, vão entender que a pieguice, é um apelo (excessivo) aos sentimentos; é o sentimentalismo ainda pior do que o sentimentalóide, beirando o ridículo.

          Por falar nisso, ainda não ouvi nenhum ministro da Educação anunciar a abertura de escolas para atualizar professores que estudaram no século passado, e outras para que os futuros professores possam ensinar aos alunos todas as modernidades do mundo atual, única maneira de fazer um país crescer. Eles acham que comprar computadores para as escolas _ e mostrar na televisão _ é ser primeiro mundo.

          Mas se isso um dia acontecer, tremo em imaginar que essa “bondade” virá _ se vier _ com a foto de uma criança sorrindo, com um slogan no qual prefiro não pensar.

          O pieguismo é muito brega.

domingo, 13 de maio de 2012

Quanto vale um amor ?



Domingo, 13 de maio de 2012, por Danuza Leão, para a Folha de S. Paulo



          Abandono afetivo; e dá para entender que alguém entre na Justiça reivindicando uma quantia porque não recebeu do pai o afeto que gostaria?
          O ideal seria que todos os pais cercassem seus filhos de carinho e de amor; mas isso é o ideal, e o ideal, como todo mundo sabe, não existe. Alguns pais não são nem carinhosos nem amorosos, que pena, mas a vida é assim, e uma filha que nunca teve o afeto paterno tem que entender que alguns não têm afeto para dar, ou apenas não conseguem _ e tratar de viver a vida como ela lhe foi apresentada, isto é, como ela é. Pedir uma indenização _ em dinheiro _ porque não foi amada pelo pai, acho estranho. Quem põe um filho no mundo tem obrigações, mas amor, dá quem pode, nem é um problema de querer; e amor não se cobra, nem de pai nem de ninguém.
          Fico pensando na quantidade de crianças que moram com pai e mãe, e que nem assim recebem o afeto de que necessitam. Pais que não tomam conhecimento de suas existências, não conversam, nem ao menos olham para seus filhos, mesmo vivendo sob o mesmo teto. E aí, eles podem cobrar também? Como? Se cobrarem, e o juiz achar que têm razão, como estipular a quantia que vai compensar a indiferença que sofreram durante anos? Vai depender da conta bancária do pai, imagino, mas não acho que seja por aí. Quem foi abandonada e desamada tem que dar a volta no passado sabendo, inclusive, que isso acontece muito mais do que se imagina.
          Abandono afetivo; imagino que sejam raros os que não têm, lá no fundo do coração, a sensação de não terem sido amados suficientemente pelo pai ou pela mãe. Todos precisamos de amor, e quando somos crianças queremos todo o amor do mundo, e de todas as pessoas. Com o tempo,aprendemos que se recebermos algum afeto _ de poucas pessoas, e só às vezes _, já está mais do que bom. Carência afetiva não é fácil; alguns conseguem _ ou pelo menos dão a impressão _ superar e viver bem a vida; outros vão sofrer até o último suspiro, mas de uma coisa tenho certeza: não se resolve com dinheiro. Se resolvesse, nenhum filho de milionário teria esse problema.
           O valor da indenização me põe curiosa, tanto quanto qualquer processo que implique em “danos morais”. Já passou um pouco de moda, mas nos EUA, até alguns anos atrás, uma mulher assediada sexualmente _ nada de muito grave, apenas uma boa e competente paquera _ processava o paquerador e exigia uma quantia por danos morais; é possível?
           É normal que quando alguém sofre algum tipo de constrangimento, precise de um desagravo (recompensa) pelo que passou, mas querer em dinheiro é uma maneira muito esperta de dar a volta por cima. Danos morais são vagos, e dependem do fôro íntimo de cada um.
           Quando vou a São Paulo e, no aeroporto, a Polícia Federal me faz tirar os sapatos, o cinto e o relógio, e ainda por cima pega minha tesourinha de unhas e joga no lixo, eu me sinto vítima de grande violência moral, e acho que teria direito a uma indenização em $$$ _ e ter a minha tesourinha de volta, claro _, mas ainda não fiz isso por achar, entre outras coisas, ridículo; mas que é contrangimento, é.
           E os namoros que não deram certo, os casamentos que não vingaram porque o amor acabou, será que isso também pode ser considerado abandono afetivo? Quanto vale o amor que deixaram de nos dar?
           O mundo está muito louco.

domingo, 6 de maio de 2012

Não ver, não ouvir e calar sempre



Domingo, 6 de maio de 2012, por Danuza Leão, para a Folha de S. Paulo



Você quer ser querida pelos amigos, viver sem problemas, ser daquelas pessoas que são sempre lembradas com alegria e prazer? Em outras palavras: você quer ser feliz? Simples: esqueça essas manias de ver, ouvir e, sobretudo, falar, e sua vida passará a ser um mar de rosas.

Não ouça; isso mesmo, não ouça, salvo, talvez, um pouco de música, quando estiver no carro. Quando perceber que estão contando uma história escabrosa da área pol’itica, vá para a janela e olhe para fora com enorme atenção. E se o assunto envolver a vida particular de quem quer que seja _ e quanto mais próxima a pessoa, pior _ seja drástico e finja um mal-estar súbito. Se tiver que se explicar diga, no máximo, que é vagotônico como era o poeta Vinicius, doença que, aliás, já esteve muito na moda e que ninguém nunca soube muito bem do que se tratava.

Agora, o principal: se uma amiga _ principalmente se for a que você mais adora _ quiser contar seus problemas pessoais, arranje uma desculpa, seja ela qual for, para não ouvir: simule uma crise nervosa, diga coisas desconexas, dê uns gritos, e se for preciso desmaie, mesmo que esteja no meio da rua. Vale absolutamente tudo para não assumir o papel de confidente, pois vai acabar sobrando para você _ ou estou dizendo alguma novidade?

Bem, já falamos do primeiro ponto: não ouvir. Agora vamos ao segundo: não ver.

Quando for a uma festa, use óculos, daqueles que os bandidos obrigam os sequestrados a usar _ com vidro negro e opaco _ para não enxergar; faça essa riquíssima experiência que é não ver absolutamente nada, a saber: quem deu um amasso em quem, de quem é a perna enroscada debaixo da mesa que você flagrou quando foi pegar o isqueiro que caiu no chão, ou as baixarias que costumam acontecer quando as pessoas se descontraem, digamos assim. E se não conseguir os taisóculos negros, não tem importância: é só passar a noite inteira de olhos fechados _ ou não sair de casa, claro.

Agora, o terceiro ponto, muito, mas muito mais importante do que não ver e não ouvir: não falar.

Nunca diga nada sobre nenhum assunto, e não dê, jamais, uma só opinião sobre nada. Se alguém diz que a couve-flor está mais cara, ouça com o ar mais sério do mundo; se ouvir o contrário, também _ e continue mudo. Não diga nada, não faça nenhuma ponderação, não emita um único som. Renuncie a bancar o inteligente e fique até o sol raiar, se for preciso, de boca fechada, que é a posição correta na vida, como você já deve ter aprendido _ ou devia.

Se alguém mencionar a crise política, e tiver uma vontade súbita de dizer alguma coisa, morda a língua e não faça juízo a respeito de nada: nem sobre a queda _ ou a alta _ do dolar, nem, sobretudo, sobre a CPI. Opinião, nem pensar.

O maior perigo é quando sua maior amiga está passando por uma crise e pede umconselho. As pessoas só querem que se diga o que elas querem ouvir, e há até quem ache que amigo só existe para dar razão quando não se tem razão _ você não sabia?

E não tenha ilusões: diga você o que disser, contra ou a favor, no final a culpa será sempre sua. Aprenda, mesmo que já um pouco tarde, que a sabedoria da vida é não ver, não ouvir e calar.

O que significa, na prática, não viver _ o que é meio triste, convenhamos.