domingo, 23 de dezembro de 2012

Estar só



Domingo, 23 de dezembro de 2012, por Danuza Leão, para a Folha de S. Paulo


Do que mais se precisa na vida para ser feliz? De calor humano, dizem; por calor humanoentenda-se, para começar, de alguém com quem se compartilha a vida, uma família bem estruturada, e amigos, muitos amigos. Trocando em miúdos: para não correr o risco de ficar só _ nunca.

            Mas quanto mais gente em volta, mais problemas. Houve um tempo em que se dizia que os casamentos seriam felizes para sempre; mais tarde, que durariam 7 anos. Mas o mundo mudou, a ciência moderna constata que o amor dura no máximo 2 anos, e como ninguém suporta ser infeliz por mais de um fim de semana, o divórcio está em alta.

            E a família, como vai? Ninguém conta, mas raras são as que se dão bem, e quantomaiores elas são, mais brigas. Por ciúmes, inveja, e sobretudo por dinheiro. Aliás, dinheiro é o grande responsável por quase tudo; ouso dizer (mas sem muita certeza) que existem mais brigas por dinheiro do que por amor.

            Quando se vê um um homem ou uma mulher (sobretudo) com mais de 50, vivendo só, tem sempre uma amiga que diz _ com a melhor das intenções _ ah, você precisa encontraralguém”. Às vezes a pessoa está bem, melhor do que jamais esteve, mas como existe essa certeza de que os seres humanos não podem viver sós, ninguém acredita – ou não quer acreditar ou não entende. Todos devem estar namorando, casando, ouqualquer outro nome que se queira dar, e se estiverem com um parceiro, mesmo tristes, infelizes, sem assunto, à beira de cometer suicídio ou um assassinato, qual o problema? O importante é estar acompanhada, o que aliás nos tira a felicidade de sermos as donas absolutas do controle remoto, e poder passar o fim de semana com a geladeira vazia e sem arrumar a cama.

            Aliás, o que as pessoas fazem para que isso não aconteça? Elas se cercam de pessoas com quem não têm quase nada em comum, dos quais frequentemente não gostam e atéfalam mal. Numa mesa de restaurante com 6, 8 pessoas, ninguém ouve o que o outro está dizendo, ninguém consegue trocar uma idéia com quem está a seu lado; mas essas são as pessoas que falam mais alto, que mais dão gargalhadas, quemais parecem estar felizes. Quem está só parece _ parece _ ser a mais infeliz das criaturas, sem ter um amigo para jantar, e em datas tipo Natal ou Ano Novo dão até vontade de chorar, de pena.

            Mas é curioso como nos relacionamos com nossos amigos _ com a maioria deles, digamos. Estamos sempre tentando contar uma boa novidade, ou sendo inteligente, ou falando coisas muito interessantes, para que nos tornemos muito interessantes e assim conservá-los. É bom ter um amigo animado, que entra em nossa casa falando alto, perguntando o que vamos beber, e fazendo planos fantásticos para o próximo fim de semana

            Mais curioso ainda é que não há amigo melhor neste mundo do que aquele em cuja companhia você se sente tão bem, mas tão bem, que pode até ficar calado pois parece que está só, vai entender.

            E aproveitando _ e sendo bem incoerente, como é preciso ser às vezes _, um Feliz Natal para todos.  

domingo, 16 de dezembro de 2012

Mais um




Domingo, 16 de dezembro de 2012, por Danuza Leão, para a Folha de S. Paulo



Já que estamos em pleno clima de Natal, como enfrentar os próximos dias que nos esperam? Eu tomei minhas resoluções, e comecei a seguí-las há uma semana.

           Em primeiro lugar, sair de casa só por justíssima causa. Supermercado só aos domingos muito cedo, que é quando estão vazios, comprando o mínimo necessário para não morrer de fome. Pedir ao médico _ se ele não tiver viajado e seu consultório fique a não mais que um quarteirão de sua casa _ várias receitas de vários tranquilizantes e também de um poderoso sonífero para uma eventualidade mais grave (noite de 24). E passe direto na farmácia, para não ter que sair de novo e poder voltar para casa correndo.

          Se você faz parte da turma que se estressa no fim do ano _ e quem não faz? _ peça a seuporteiro para não lhe entregar um só pacote com ares de presente de Natal. Que deixe tudo para depois de 6 de janeiro, quando todos os festejos estarão terminados. Só então você vai telefonar para quem lembrou de você e agradecer, dizendo que foi passar as festas no Equador, e que adorou o presente. A única maneira de se liberar das lembrancinhas de Natal é jamais retribuí-las; um dia as pessoas compreendem. Mas o grande perigo é o telefone.

           Se você faz parte dos 99,9 % que usam celular é mais fácil, pois sabe quem está ligando e pode simplesmente não atender. Mas se pertence à turma dos que, como eu, só tem telefone fixo _ e com fio _, aí é preciso uma estratégia mais cuidadosa.

           Para aqueles 2 ou 3 amigos com que você se entende, é preciso combinar. Eles devem ligar, deixar o telefone tocar uma vez, e ligar de novo _ aí você atende. As pessoas que você mais adora na família (que não são todas) têm o direito de saber desse código, e assim você se liberta de ouvir os eternamente iguais Feliz Natal,coisa que eu nunca entendi muito bem. A não ser que seja uma pessoa verdadeiramente religiosa, que festeja com fervor o nascimento de Jesus _ e eu não conheço ninguém assim _, não dá para entender porque as pessoas se desejam todas um Feliz Natal. Eu entenderia melhor se todos os dias fosse cumprimentada pelo jornaleiro, a vendedora da loja, e todos meus amigos, com um Feliz Hoje; não seria mais legal? E para se defender da programação natalina, na TV, só o Animal Planet e o Canal Rural.

           Como falta só mais uma semana, procure não se estressar: o Natal passa.

P.S. – Se nem os ministros do Supremo têm a mesma opinião sobre quem deve cassar os deputados condenados, se o STF ou a Câmara dos Deputados, nós, simples mortais, muito menos. Mas eu torço para que essa situação seja decidida ficando essa incumbência para o Supremo, porque não tenho a menor confiança em nossos nobres deputados _ nem tenho razão de ter. Não vamos nos esquecer que foram eles, em 2005, que votaram em Severino Cavalcanti com o claro intuito de bagunçar mais ainda a situação política na época, e acho perfeitamente possível que eles, escudados pelo voto secreto, sejam capazes de votar pela não cassação dos deputados condenados, o que seria uma total vergonha para o país, e que pode perfeitamente acontecer.

          E não entendo como o ministro Celso de Mello se esqueceu de se vacinar contra a gripe.


quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Quem ama mata _ ou morre



Domingo, 16 de dezembro de 2012, por Danuza Leão, para a Folha de S. Paulo


O amor é maravilhoso, não é? É, responde o mundo em coro. Mas porque será que as pessoas mudam tanto quando apaixonadas? Os mais boêmios, que passavam as madrugadas contando histórias idiotas mas muito divertidas, que tinham sempre uma opinião diferente e original sobre os assuntos do dia, se tornam austeros _ e a bem da verdade, bem menos interessantes.
O affair do diretor do FMI, por exemplo; qualquer homem, em companhia de seus íntimos, dirá que se a camareira fossegostosa faria a mesma coisa. Única ressalva: negaria até o fim, mesmo diante da Suprema Corte. Mas se estiver ao lado da namorada vai dizer que esse tipo de procedimento é indigno, e que um homem que se respeita não pode, jamais, fazer nada de parecido. Quanto a elas _ bem, se eles são assim, porque elas seriam diferentes?
Num almoço só de mulheres, depois da segunda caipirinha, algumas serão suficientemente francas para dizer que adoram homens atrevidos e ousados. Mas ponha essas mesmas mulheres ao lado dos maridos e pasme diante do que elas vão dizer, dele e da pobre camareira.
Um homem ao lado da mulher que ama é outra pessoa, alguém que nem mesmo sua própria mãe é capaz de reconhecer; ele é capaz de dizer que não acha a menor graça em mulher alguma, que quem ama é fiel, e que para ele só existem duas coisas que realmente importam: ela _ em primeiro lugar _ e o time pelo qual torce. Se você encontrar esse mesmo homem almoçando com três amigos no Centro da cidade, traçando uma linguicinha com um chope, vai descobrir que se trata de outra pessoa, só pelo som das gargalhadas. E se passar uma bela morena com as pernas de fora, será um belo festival de baixarias.
Se você tiver uma única e grande amiga e ela se apaixonar, fique sabendo que ficou sozinha no mundo. Fazer uma refeição com um casal apaixonado está acima das forças de qualquer ser humano não apaixonado, pois o mundo deles é diferente, e nele não há lugar para pessoas normais.
Quem ama se transforma em outra pessoa com outros gostos e outras opiniões, capaz de roubar a aliança da própria mãe para passar um fim de semana no Caribe com o ser amado, isto é: torna-se uma pessoa indigna de nossa confiança.
Aquela mulher que quando entrava na discoteca começava a mexer o corpo, hoje em dia fica paralisada, surda e muda, talvez pelas lembranças que a música traz _ ah, como são coerentes, as mulheres. Só que ele se apaixonou por ela exatamente quando ela mexia não só o corpo como o gelo do copo de uisque com o dedo, e agora, quando olha para aquela mulher austera não entende por que a vida era tão melhor.
Você já foi a um show de strip-tease com seu amado? Bem, quando o romance começou ele brincava e atiçava seus ciúmes comelogios às gostosas no palco; agora, quando vê uma mulher pelada numa revista, olha sério, sem uma só expressão no rosto, como se estivesse vendo um quadro num museu. Ele virou um marido, tudo que você sempre quis, e por nada no mundo você faria um strip particular só para ele, como já fez; certas coisas não são para serem feitas com marido.
Tente ir com ele a uma praia da Europa, daquelas em que as mulheres tiram muito naturalmente o sutiã para tomar sol. Nervoso ele vai ficar _ ah, isso vai. Faça então uma experiência e diga que vai tirar o seu: um homem das cavernas vai surgir de dentro daquele que passava a mão nas suas pernas no carro, no meio do trânsito, com o ar mais sério do mundo.
Onde foi parar esse homem? Onde foi parar aquela mulher que vivia feliz e risonha, que não queria nada da vida a não ser ficar junto com ele, agarrada, apaixonada?
Quem ama não mata? Mata, sim; ou mata o outro, ou mata a si próprio _ e o fim dessa história a gente conhece.



sábado, 1 de dezembro de 2012

Coisas em geral


Domingo, 2 de dezembro de 2012, por Danuza Leão, para a Folha de S. Paulo


Agora que os festejos já acabaram, é a hora do perigo, então vou me dar ao direito, já pedindo desculpas, de dar umas dicas à Suprema Corte. Mas antes vou estranhar um pouco a lista dos artistas convidados para a posse, todos negros: Lázaro Ramos, Milton Gonçalves, Martinho da Vila; brancas, só Regina Casé e Lucélia Santos (mas essa tinha direito, porque foi a Escrava Isaura); não será isto uma forma de preconceito? Vamosfalar a verdade: neste momento, quem é branquelo não está com nada.

          Convites de todos os tipos vão surgir, e eu diria que não aceitassem nenhum. Quase nenhum.

          Almoçar e jantar, só com amigos, mas amigos de infância ou dos tempos pré-mensalão. E se num restaurante um fã chegar com o celular, devem deixar que batam a foto, sim, para não ficarem antipáticos, mas a uma certa distância; e sérios, para não parecerem íntimos. Pode até pintar um convite para o ministro Fux gravar um CD.

          A imprensa vai querer saber das intimidades, qual o prato preferido, a pasta de dentes que usa, se praticamalgum esporte, por que time torcem, se vêem novela, e peço a Deus que dê muito juízo aos ministros para não responderem a pergunta alguma.

        Revistas de decoração vão tentar fotografar a casa de cada um deles, e suas mulheres serão seguidas nos cabelereiros para que o mundo saiba se elas pintam ou não o cabelo, e a cor do esmalte que usam. E se algum deles for solteiro, manda a prudência que elesguardem uma castidade digna de um jesuita, porque assédio vai haver, ah, isso vai.

         Tudo tem um preço, e o deles vai ser ficarem o mais longe possível das badalações; mas eles são seres humanos, ealgumas serão tentadoras, mas devem resistir, porque o mundo é assim: um dia se é herói, e qualquer descuido faz com que o ídolo da véspera seja a Geni de amanhã.

         O grande perigo vai ser o carnaval; convites para os melhores camarotes vão pintar, se bobear até mesmo para sair numa escola de samba, o que seria a catástrofe final. Mas um ministro também é gente, e se o prefeito sai na bateria do Salgueiro, por que eles não poderiam? Porque não podem. E as ministras que se cuidem, pois não é impossível, com todo o respeito, que sejam convidadas até para posar para alguma revista de moda _ ou pior.

          Quando o time estiver completo, será mais conhecido do que a Seleção, e devem continuar no pedestal em que foramcolocados pelo povo brasileiro, pois fizeram pelo país o que ele mais precisava: acreditar na justiça brasileira, que andava com a reputação mais pra lá do que pra cá.

          PS 1 – Quem vai controlar se os réus condenados a penas alternativas vai cumprí-las? Com uma boa conversa se pula um fim de semana, se chove muito não há como chegar à penitenciária para dormir, se ficarem doentes atestados médicos é que não vão faltar, e os condenados são espertos: como se diz por aí, é gente que tira as meias sem precisar tirar os sapatos.

          PS 2 - Escrevo há 10 anos na Folha; são mais de 500 colunas, e acho que nesse longo tempo já deu _ ou deveria ter dado _ para saber quem eu sou. Reli o que escrevi na minha última crônica, refleti sobre o que queria verdadeiramente dizer, e cheguei ao seguinte: nós, seres humanos, somos únicos, ricos ou pobres, gênios ou pessoas comuns, e essa é a grande riqueza da vida: não existem duas pessoas iguais, e ninguém quer ser igual ao outro. Se eu comprasse o mais lindo vestido para uma festa e lá encontrasse Madonna com um igual talvez voltasse em casa para trocar o meu. Se comprasse um iate com 38 cabines, com uma tripulação vestida por Jean Paul Gaulthier, e cruzasse comoutro igual, pertencente a Donald Trump, meu brinquedinho perderia a graça.Porque faz parte querer ser original e único, por isso os artistas, os costureiros, os arquitetos, os decoradores, os escritores, os médicos, os cientistas, todos trabalham para conseguir que suas obras sejam as melhores e, consequentemente, únicas. Existem dois tipos de pessoa: os que vivem para seguir o que está na moda em matéria de viagens, estilo, restaurantes, hotéis, etc., enquanto outros preferem viver na contra mão. Eu pertenço ao segundo grupo: não gosto de multidões, não vou a shows, não vou a festas, não vou arestaurantes da moda, e não viajo na alta estação, prefiro ficar em casa lendo um livro; falei sobre o porteiro como poderia ter falado sobre qualquer pessoa que faz parte dessa multidão que passa a vida indo atrás do que ouviu dizer que está “in, o que para mim é apenas impossível. Lamento, foi um exemplo infeliz.