domingo, 22 de julho de 2012

Ter um passado é fundamental




Domingo, 22 de julho de 2012, por Danuza Leão, para a Folha de S. Paulo


Uma paixão é a melhor coisa do mundo _ para quem a está vivendo. Mas para as testemunhas desse sentimento inigualável, tema de inspiração dos poetas, o assunto é discutível.
Por mais que se torça para que as pessoas de quem gostamos se apaixonem e sejam muito felizes, quando isso acontece, a tendência é guardar uma certa distância; com o tempo, essa distância vai ficando cada vez maior, pois quem está apaixonado se transforma em outra pessoa, e tão diferente que ninguém reconhece mais.
Aquela amiga divertida que tinha opiniões engraçadas sobre as coisas e contava histórias escabrosas do passado _ dos outros e dela própria _ cessa de existir. Como vai poder falar sobre o fim de semana que passou em Salvador quando, depois de umas oito caipirinhas, foi dar um mergulho, perdeu o soutien no mar e teve que voltar para a praia mal conseguindo esconder os seios? Todo mundo viu, claro, e até ela achou muito divertido, mas sinceramente: uma mulher pode contar isso diante de um homem profundamente apaixonado? Claro que não.
Como também não pode falar sobre coisas mais calmas, digamos assim: que adorava seu ex-marido, que sofreu muito quando se separou, que andou tendo uns namoros que não deram certo e resolveu nunca mais gostar de ninguém, até que o encontrou etc. e tal. É lindo, mas um homem apaixonado pode ouvir isso numa boa? Difícil.
É da troca de experiências passadas que nascem as amizades, e como nada disso vai poder mais ser falado, os amigos começam a se afastar _os dela e os dele. Passar horas com duas pessoas se olhando olho no olho, mão na mão, sem poder mencionar noites divertidas e loucas vividas em outros tempos, quando saíam da pista de dança às 5h da manhã e ainda iam a um botequim comer um sanduíche de mortadela e beber cerveja, fica difícil. Amigos de pessoas apaixonadas têm que tomar o maior cuidado com o que dizem, para não cometer aquelas indiscreções horrendas _e ninguém quer ficar mudo, quer? Eu, não.
As coisas acontecem naturalmente: os amigos se afastam, eles se afastam dos amigos e se tornam pessoas sem passado _e uma pessoa sem passado não é ninguém; aliás, não é nada. Ninguém pode abrir mão do seu, e olha que cada um de nós tem pelo menos uma coisa _ou várias_ que preferia que não tivesse acontecido ou que pelo menos ninguém jamais soubesse.
Tem mais: uma mulher apaixonada costuma não ter opinião sobre nada: dependendo do parceiro, deixa de fumar, passa a não comer carne vermelha, a só gostar de música clássica _ou pagode ou rock_, a acordar às 3h da manhã para ver a seleção jogar, mesmo odiando futebol _e ainda fazer um café no intervalo do jogo_, e só vota no candidato que seja o mesmo do seu amado. Estar apaixonado e conservar alguma personalidade é praticamente impossível.
Ah, a paixão. É muito boa enquanto dura, mas impede que se viva qualquer outra coisa, a não ser ela mesma.
Um dia _que me perdoem os que estão apaixonados_ cansa. Cansa, não: exaure.
Mas acho que estou falando de coisas de um passado muito, mas muito remoto. Há quanto tempo você não ouve alguém declarar, com todas as letras, que está perdidamente apaixonado?
Eu, há séculos.
PS : duas semaninhas de férias, estou de volta dia 12 de agosto, até.

sábado, 14 de julho de 2012

Querer demais da vida



Domingo, 15 de julho de 2012, por Danuza Leão, para a Folha de S. Paulo

Costuma ser assim: as pessoas se conhecem, se encantam umas pelas outras, procuram conhecer os amigos, a família, os gostos pessoais, assim descobrir se foram feitos um para o outro, para se unirem e serem felizes, até que a morte os separe. Aí namoram e casam.
Bem, para começar, é raro que duas pessoas se unam e sejam felizes até que a morte as separe, e quando chegam a se descobrir, todo aquele enorme encantamento que sentiram no primeiro encontro começa a complicar. Ela não gosta da mulher do melhor amigo dele _ e já começa a implicar _, ele não vai com a cara da irmã dela _ e já começa a implicar _, um gosta de churrascaria, o outro de um japonês, e por aí vai. Começa então a tentativa de adaptação, cada um abrindo mão de certas coisas para que a relação dê certo. As adaptações que eram feitas nos primeiros dias de namoro com enorme prazer, um ano depois podem virar motivo de mau humor, e a verdade verdadeira é que ninguém gosta de fazer concessões, cada um só quer fazer o que quer e o que gosta. É da natureza humana, e natural, pois se duas pessoas gostam exatamente das mesmas coisas, das mesmas pessoas, sentem fome e sono sempre na mesma hora, e por aí vai, vira uma monotonia sem fim. Então que tal por uma vez fazer tudo diferente, e tentar que tudo dê certo, pelo menos por um tempo?
Seria assim: uma mulher e um homem se conhecem, se olham, e sentem um total arrebatamento um pelo outro. Nesse momento eles sairiam de onde estivessem _ da praia, do bar, da festa _, e passariam a viver só desse amor, só para esse amor. Nesse mesmo dia iriam morar juntos, sem saber dos defeitos um do outro, se esconderiam do mundo, dos amigos, das famílias, e abririam mão de seus desejos mais intensos para agradar ao outro. Não é assim, quando se ama? E como é assim, não brigariam por nada, não discutiriam por nada, não implicariam com coisa alguma, e a vida seria uma total felicidade _ por um tempo, é claro. Mas chegaria o momento em que eles começariam a se conhecer melhor, e a vida real invadiria um mundo que até aquele momento era só deles; com isso viriam as complicações, as de sempre.
Teriam que conhecer os amigos e as famílias, chegaria o dia inevitável em que um deles _ ela _ diria que tem horror a futebol, e ele daria o troco dizendo que odeia os filmes de Woody Allen que foi obrigado a ver, para lhe fazer a vontade. E chegaria o dia cruel em que falariam pela primeira vez sobre política, e que não iriam votar no mesmo candidato. A partir daí, viraram um casal feliz, desses que se vê por aí.
Só que ser apenas feliz, para certas mulheres, é pouco. Algumas dizem ao marido que não têm vocação para a chamada vida normal, que vão embora. E ficam espantadas _ quase decepcionadas _, quando eles dizem estar de acordo. Porque quem viveu momentos tão delirantes, não podem se conformar com menos; querem da vida muito, tudo, tanto, que não aceitam vivê-la como ela é.
E vão, cada um para seu lado, na procura eterna de outros encontros apaixonantes, mesmo que curtos, sabendo que para encontrá-los _ talvez _ vão passar longas temporadas inteiramente sós.

domingo, 8 de julho de 2012

Eu queria saber



Domingo, 8 de julho de 2012, por Danuza Leão, para a Folha de S. Paulo


Esse mundo tem coisas muito curiosas. Gatos e cachorros, por exemplo, servem para que? E as girafas? E as flores?
Da minha janela vejo árvores e passarinhos que não fazem senão voar e pousar nos galhos, sempre muito inquietos; e alguém já viu passarinho dormir? Será queeles se afeiçoam entre eles ou a alguém? Será que passarinho pensa? Será que sofre? Mas tem quem sofra por causa deles; tenho um amigo que quando encontrou o seu morto na gaiola, ficou triste, e entrou em depressão. Passarinho eu não sei, mas cachorro e gato sofrem pelo dono, e uma vez, quando fiquei doente, meu gato não saiu de perto de mim um só instante.
Fico pensando se é justo ter um cachorro ou um gato. É verdade que quem tem é porque gosta, portanto trata bem; mas por outro lado, eles só comem o que nós queremos, o território deles é limitado, e só têm vida sexual se a gente permite, e a gente nunca permite, olha que absurdo. Dizem os especialistas que se os machos não forem castrados e as fêmeas operadas, vão nascer ninhadas e mais ninhadas que serão abandonadas em um parque qualquer, e os filhotes vão morrer atropelados ou de fome, o que é de cortar o coração. Mas é de cortar o coração também ver um gato olhando o mundo pela janela, um gato que não é dono de sua vida, que não pode passear quando quer e fazer o que lhe passa pela cabeça _ e que nem sei o que seria. E volto a pensar: para que eles existem?
Girafas, zebras e leopardos correndo na selva são um lindo espetáculo, mas um hipopótamo ou um rinoceronte não despertam senão estranhezas. E as baratas? Bem que sepodia passar sem elas, mas ouvi de um cologista que se todas as baratas do mundo acabassem, o equilíbrio ecológico seria prejudicado, vai entender. Ascigarras, essas a gente sabe: seu canto é só alegria, e elas existem para anunciar o verão.
Frutas são todas lindas, e só servem para nos alimentar. Mas e o café? Como terá oprimeiro homem inventado descascar o fruto, secar, torrar, moer e coar com água quente para o prazer de tantos?
E as borboletas? Não existe nada mais bonito do que uma borboleta voando, e às vezes penso que elas, como as flores, só existem para embelezar o mundo. E os peixes, os sapos? Quem  não caçou vagalumes e botou num vidro para brincar de lanterna pode dizer que teve infância?
E nós, para que existimos? Nós, que às vezes estamos felizes, outras infelizes, que brigamos com o carpinteiro porque a gaveta não ficou exatamente como sequeria, nós que ficamos de mau humor porque engordamos dois quilos, nós que nos matamos para ganhar mais dinheiro e morar numa casa maior com mais armários e poder pagar bem caro a um médico para nos livrar dos tais dois quilos, nós que já fumamos, já bebemos e ainda comemos mais do que devíamos, que amamos e desamamos sei lá por que, e passamos a vida à procura de alguma coisa que nem sabemos bem o que é e que nunca achamos, e estamos, a maior parte do tempo insatisfeitos, geralmente sem razão.
Nós, que vamos aos shopings para escolher um vestido e um sapato e uma bolsa para usar numa festa que ainda nem sabemos se vai acontecer, nem se seremos convidadas, e se formos, talvez nem vamos ter vontade de ir, dá para entender?
Eu queria muito que alguém me explicasse tudo isso.

domingo, 1 de julho de 2012

A felicidade ainda existe



Domingo, 1 de julho de 2012, por Danuza Leão, para a Folha de S. Paulo

Já te aconteceu de acordar um dia péssima, com a cabeça péssima, e achando que vai ser assim para o resto da vida? Pois aconteceu comigo outro dia.
      Abri o jornal e não me interessei por nada, nem mesmo pela nova amizade Lula/Maluf; liguei a televisão, depois abri a agenda, fui do A ao Z e todos os nomes pareciam de pessoas estranhas. Nem os dos dois ou três amigos com quem falo todos os dias reconheci. Não sabia seestava chovendo ou fazendo sol, tal a falta de interesse pelo mundo. Mas como é obrigatório ser alto astral, resolvi fazer alguma coisa para mudar o clima do dia.
      Sempre ouvi falar que ginástica ajuda a resolver qualquer problema, mas botar uma tenis e ir fazer Pilates, nem pensar. Mal tive forças para me levantar e tomar um copo de água, imagine para enfrentar algum esforço físico. Que tal ouvir uma música? Acho que a morte seria melhor.
     Tomar um banho talvez melhorasse as coisas; uma boa chuveirada, com direito a lavar a cabeça _ quem sabe esfriá-la _ só pode fazer bem. Cumpri o ritual, vesti um jeans e uma camiseta, e percebi que não piorou, mas melhorar que é bom, nada.
      Resolvi então dar uma volta na praia para respirar um pouco de ar fresco, mas não adiantou; voltei para casa e para acama.
      Por que acordei assim? Não havia nenhuma razão especial, nada de grave estava acontecendo em nenhum setor da minha vida. Estava assim por nada, ou talvez por tudo. Não tinha vontade de nada, e se soubesse que em cinco minutos o mundo ia se acabar, e dependesse de apenas um gesto meu para que isso não acontecesse, seria capaz de ficar parade, quieta _ e o mundo que se acabasse. Mas depois de pensar, pensar, descobri a raiz doproblema. Vou tirar 2 semanas de férias e viajar, e a felicidade é muito difícil de ser vivida; e a culpa? A partir daí, as coisas ficaram mais fáceis.
No dia seguinte, uma amiga me chamou para ir a um restaurante que disse ser ótimo, atrás do mercado de peixes, em Guaratiba, depois da Barra. Só que eu tenho pavor a sair do meu bairro, sobretudo para ir às bandas da Barra, mas como a Rio + 20 acabou, com a graça de Deus, embarquei na aventura. Um safari, praticamente.
      Para quem não conhece bem o Rio: para chegar à Barra se passa por vários túneis, e com boa vontade, são uns 35/40minutos num trânsito que não chega a competir com o de São Paulo, mas que é bem intenso. As coisas começaram a melhorar, depois que comi uma moqueca de peixe dos deuses; quando pegamos o carro para voltar, comecei a ser feliz. Detalhe 1: o dia estava lindo, com sol e céu azul. Detalhe 2: a volta da Barra é pela orla, e são praias e praias, algumas de mar batido, outras de água mansa, em tons de azul e verde de tirar o fôlego. Em São Conrado, a garotada pegando surfe; no céu, outra garotada voando de asa delta e ainda o cheiro da maresia. E ainda teve o Leblon, Ipanema, o Arpoador; aí pedi à minha amiga para seguir, e passamos por Copacabana, Botafogo, Flamengo. Fui ficando alegre, cada vezmais alegre, a alegria foi se transformando numa quase exaltação, e em cadasinal em que paravamos, olhava e sorria para quem estivesse no carro ao lado, mesmo que tivesse cara de assaltante. E tive a consciência de que estava feliz, que adorava a vida, que adorava viver.

       E pensei numa coisa, numa coisa em que nunca se pensa quando se é _ ou se está _ profunda e intensamente feliz.
       Como é injusto morrer.