segunda-feira, 29 de outubro de 2012

A princesinha do mar



Domingo, 28 de outubro de 2012, por Danuza Leão, para a Folha de S. Paulo



Copacabana é um bairro que saiu de moda, mas que tem sua vida própria, e diferente de tudo.

           Outro dia fui levada por um amigo para conhecer um restaurante famoso por suas empadas, e me senti em outro universo; apesar de ser colada a Ipanema, que é colada aoLeblon, nada mais diferente do que esses bairros. O restaurante é na BarataRibeiro, rua de tráfego intenso de ônibus, vans e motos, com direito a toda a fumaça e a todo o barulho do mundo. Numas prateleiras altas, garrafas de vinho Gatão e Periquita, e num quadrinho, a advertência: “Ao mastigar, cuidado com o recheio da empada. A azeitona tem caroço”. Adorei.

           Chama-se O caranguejo, e é o oposto de um lugar cool, moderno e da moda; os garçons não foram escolhidos por sua beleza e juventude, e via-se, pela intimidade que tinham com a casa, que devem trabalhar lá há mais de 20 anos; qualquer prato pedido alimenta 3 com fartura _ e todos são muito bons. A salada era típica de um restaurante que não é da moda: 3 folhas de alface, 3 rodelas de tomate e, em cima, 3 grossas rodelas de cebola. Tudo que a gente esqueceu que existia, mas que em Copacabana continua no auge da moda.

           Agora, a frequência: muitos homens usavam camiseta sem manga, todos, praticamente, tinham barriga, e as mulheres _ bem, nenhuma poderia aspirar a ser uma top model _ e elas não estavam nem aí. Ninguém usava uma só peça de grife, ninguém falava no celular, a conversa nas mesas era animada e embalada pelos chopes que alternavam com os copinhos de steinhagen, uma espécie de cachaça alemã, só consumida por profissionais. Como o restaurante fica na esquina de uma rua que começa na praia, é muito ventilado, por isso não havia ar condicionado.

           O clima do Caranguejo é familiar; os frequentadores devem ser sempre os mesmos, tanto que se falam de uma mesa para outra, e são de uma enorme gentileza; um deles meofereceu (da mesa dele) uma travessa com patinhas de caranguejo, coisa que não lembro de ter acontecido, jamais, em minha vida. E eu aceitei, claro.

           A animação é permanente: a partir das 11h da manhã todos já estão comendo muito, bebendo muito, e esse clima continua a tarde inteira, entrando pela noite. Às vezesentram famílias com crianças, e suas respectivas mães e avós, todos têm muito bom apetite e imagino que lá nunca tenha sido pronunciada a palavra dieta.

           Mas por que estou falando de um lugar tão simples, mais para o modesto, sem uma só das frescuras que têm todos os restaurantes chamados chiques; começa pelas insuportáveis moças na porta de preto longo, salto alto, que faz logo a pergunta “tem reserva?” Como eu nunca faço reserva, e o restaurante está vazio, digo que não, e ela me encaminha para a mesa. Mas se está vazio, para que apergunta? Não entendo, e não vou, jamais, entender.

           E se falo sobre este restaurante é porque me encanta esse clima simples, onde se come bem _e barato _, e no final o garçon pergunta “quer que faça uma quentinha para levar o que sobrou”? Sim, porque sempre sobra.

           Não que eu não goste de frescuras; até gosto, mas o tempo todo é insuportavel. E um lugar como esse me faz um bem tão grande ao coração e à alma que não sei nem explicar mas que me faz feliz, só de saber que certas coisas simples ainda existem.

           PS – e ainda tem caranguejo no toc toc, que vem inteiro, acompanhado de uma taboinha e um soquete, para poder passar o dia inteiro ocupado na nobre arte de comer um caranguejo comme il faut.

domingo, 21 de outubro de 2012

A atenção


Domingo, 21 de outubro de 2012, por Danuza Leão, para a Folha de S. Paulo


Afinal, o que todos queremos da vida _ além do básico, claro? Bem, para começar, é preciso definir o que é o básico.
O básico é igual para todo mundo, seja você banqueiro ou Zeca Pagodinho: um bom Jaqueirão para receber os amigos, saúde, uma certa beleza física, algum dinheiro, que não faz mal a ninguém, um pouco de amor, que faz bem enquanto dura e mal quando acaba, e por aí vai. Mas mais que tudo, o que todos queremos, do berçário até a mais provecta idade, é o bem mais precioso: um pouco de atenção.
Para isso, somos capazes de tudo; uma criança, na hora de deitar na cama para dormir, quer a presença da mãe, só olhando. Muito mais tarde, mesmo depois dos 40, os homens vão fazer o que mais gostam _ surfar _, e querem que a namorada fique sentadinha na areia, só olhando.
Ninguém suporta ser completamente anônimo, e por isso as pessoas passam a vida buscando o dinheiro, a beleza, o poder ou a fama, para serem reconhecidas pelo garçom quando entram num bar. Tem gente que vai ao mesmo restaurante só por isso, só se hospeda no mesmo hotel, e outros _ mais do que você pensa _ contratam um divulgador, essa profissão tão moderna, para cuidar de sua imagem, o que significa conseguir publicar uma foto ou uma notinha no jornal de vez em quando. Para quê? Ora, para existir; Nizan Guanaes já disse que o marketing é tudo na vida das pessoas.
Crianças fazem tudo que passa pela cabeça; sem nenhuma censura, elas choram e gritam para chamar atenção; mais tarde quando aprendem que não podem mais abrir o berreiro, vão por outros caminhos, paraterem certeza de que existem. Umas se vestem de paetês, outras se queixam de doença _ e às vezes se esforçam tanto que ficam doentes mesmo, e dá para entender: qualquer coisa na vida, qualquer, é melhor do que a indiferença.
Uns engordam, outros pintam o cabelo de verde, alguns tentam uma carreira de sucesso, de preferência no show business, para serem sempre notados, e quanto mais notados, melhor. Não se trata apenas de vaidade: é uma questão de ter a consciência de que estamos vivos, e se ninguém nos olha é porque não estamos. E se não estamos, de que adianta ter um coração batendo?
Por que você gosta tanto de ir ao médico? No curto tempo de uma consulta _ e não se está falando de saúde _ a atenção é toda dirigida a você; existe alguma coisa melhor do que ter alguém, mesmo que seja um estranho, perguntando como vai seu apetite, se tem dormido bem, que diga que você precisa deixar de fumar? Atenção: são raros os que fazem isso, pois a maioria pede uma lista de exames e diz para você voltar com os resultados.
E os analistas? Esses são maravilhosos: durante 50 minutos você tem uma pessoa inteligente que ouve os maiores absurdos, compreende tudo _ que delícia _, justifica tudo _ melhor ainda _ e você até sente que não está mais só no mundo. Se ninguém te dá atenção você não existe, daí o drama dos famosos quando voltam ao anonimato.
Atenção verdadeira é fundamental. Quando sua empregada disser que está resfriada, tire dois minutos _ só dois _ do seu dia, que tem 1.540, para saber o que ela está sentindo, e diga para ela pegar nobanheiro o vidro de vitamina C que você trouxe de Nova Iorque e tomar 3 por dia. Lembre-se de que é ela quem serve seu café da manhã, leva um chazinho quando você chega cansada, tira gelo, lava e passa sua roupa e faz tudo para te agradar.
E quando chegar em casa à tarde, se esqueça, apenas por uns segundos, do mensalão, do segundo turno das eleições, do seucabelo que está péssimo, e pergunte se ela está melhor.
Não adianta ter todo o poder e todo o dinheiro do mundo se ninguém pergunta se você melhorou da gripe.



domingo, 14 de outubro de 2012

Verão em Salvador


Domingo, 14 de outubro de 2012, por Danuza Leão, para a Folha de S. Paulo


Foi meu verão inesquecível; aliás, foram dois, pois no ano seguinte eu voltei.
Há anos aluguei uma casa por telefone, na Pituba. Contratei uma cozinheira baiana e logo descobri que tinha várias assessoras na cozinha: uma para catar siri, outra para descascar camarão, outra para ralar coco, outra para se ocupar dos bolos, biscoitos, sobremesas. Na mesma temporada lembro que fui passar uns dias em Mar Grande (antes da ponte), e logo de manhã passavam os locais apregoando sua mercadoria: camarão fresco, peixe saído do mar, lagosta, mariscos, siri mole, tudo na porta, levado por um burrico. Como esse comércio começava cedo, havia um funcionário (da casa) contratado apenas para ficar na porta desde cedo, e alerta; quando alguém ia anunciar o que tinha para vender, ele fazia um sinal com o dedo na boca para que não gritasse, para não acordar as pessoas. Ah, Salvador, que paraiso.

            A casa que aluguei era grande, volta e meia chegavam hóspedes, e não se fazia rigorosamente nada. O único esforço intelectual era escolher a que praia iríamos: Piatã, Itapoã ou Arembepe, todas com a água do mar na temperatura certa e sem ondas. A mesa era sempre farta e só se comia comida com dendê e leite de coco; aliás esse capítulo começava no café da manhã, com direito a cangica, tapioca, banana da terra cozida, e nem sei mais o que. Durante a temporada nunca se bebeu nada além dos sucos de frutas da terra, naturais ou com uma cachacinha. Só se usava uma sandalinha de palha, e só se tirava o biquini na hora de dormir. Passávamos a tarde nas redes da varanda, e nunca vou esquecer que um dia, depois do almoço, a cozinheira me levou uma bacia cheia de bagos de jaca que passei a tarde comendo. Ninguém engordava.

            Só saíamos de casa para ir às festas de largo, que começavam em dezembro e acabavam no carnaval. Meu filho Bruno, que tinha 10 anos, me disse que nunca foi tão feliz; durante todo esse verão ele nunca ouviu um não da minha boca: tudo podia.

            Todos os dias eram domingo, não se lia jornal, não havia telefone nem televisão, os dias eram todos de sol, e só se fazia rir e falar bobagem, assim por nada. E havia a cor do mar de Salvador, e o cheiro de Salvador, e o som de Salvador, e a hospitalidade da gente de Salvador, pobres e ricos. Nesse verão, um baiano me fez um oferecimento muito especial, que nunca esqueci; quando eu morresse estava convidada a ficar nomausoléu da sua família, tem mais gentil?

            Não sei se na época eu me dava conta do quanto era feliz, mas hoje, quando me lembro, penso que foi dos melhores tempos de minha vida.

            Essas lembranças são um tesouro que tenho dentro do peito, e que ninguém, nunca, vai me tirar. Que pena não poder votar em Salvador, nesse segundo turno; é tão bom votar.

                                                  X X X

            Desculpe, mas vamos voltar um pouco à real. Então, depois do julgamento do mensalão, a CPI do Cachoeira vai encerrar os trabalhos? Não vamos poder saber das relações do governador Sergio Cabral com Fernando Cavendish, dono da Delta? Segundo a imprensa, pelas contas bancarias dos investigados passaram 36 bilhões _ bi-lhões _ cuja origem e destino ainda são ignorados. Que respingue no PSDB, no PT, no PMDB, não importa, e é um escândalo que o PSDB e o PT estejam de acordo em blindar osacusados. Os dois partidos, teoricamente rivais, nessa hora são tão sem escrúpulos um quanto o outro, e nenhum negócio que envolve 36 bilhões _ em negócios com o governo _ pode ser honesto. E as contas da Delta são o maior dos segredos de Estado.