domingo, 25 de novembro de 2012

Ser especial



Domingo, 25 de novembro de 2012, por Danuza Leão, para a Folha de S. Paulo


Afinal, qual a graça de ter muito dinheiro? Quanto mais coisas se tem mais se quer ter, e os desejos e anseios vão mudando _ e aumentando _ a cada dia, só que a coisa não é assim tão simples. Bom mesmo é possuir coisas exclusivas, a que só nós temos acesso; se todo mundo fosse rico, a vida seria um tédio.

Um homem que começa do nada, por exemplo: no início de sua vida, ter um apartamento já era uma ambição quase impossível de alcançar; mas agora, cheio de sucesso, se você falar que está pensando em comprar um com menos de 800 metros quadrados, piscina, sauna e churrasqueira, ele vai olhar para você com o maior desprezo _ isso se olhar.

Vai longe o tempo do primeiro fusquinha comprado com o maior sacrifÌcio; agora, se não for um importado, com televisão, bar e computador, não interessa _ e só tem graça se for o único a ter o brinquedinho. Somos todos verdadeiras crianças, e só queremos ser únicos, especiais e raros; simples, não?  

Queremos todas as brincadeirinhas eletrônicas, que acabaram de ser lançadas, mas qual a graça, se até o vizinho tiver as mesmas? O problema é: como se diferenciar do resto da humanidade, se todos têm acesso a absolutamente tudo, pagando módicas prestações mensais?

As viagens, por exemplo: já se foi o tempo em que ir a Paris era só para alguns; hoje, ninguém quer ouvir o relato da subida do Nilo, do passeio de balão pelo deserto ou ver as fotos da viagem _ e se for o vídeo, pior ainda _ de quem foi às muralhas da China. Ir a Nova Iorque ver os musicais da Broadway já teve sua graça, mas por 50 reais mensais o porteiro do prédio também pode ir, então,qual a graça? Enfrentar 12 horas de avião para chegar a Paris, entrar nas perfumarias que dão 40 por cento de desconto, com vendedoras falando português e onde você só encontra brasileiros _ não é melhor ficar por aqui mesmo?

Viajar ficou banal, e a pergunta é: o que se pode fazer de diferente, original, para deslumbrar os amigos e mostrar que é um ser raro, com imaginação e criatividade, diferente do resto da humanidade?

Até outro dia causava um certofrisson ter um jatinho para viagens mais longas, e um helicóptero, para chegar a Petrópolis ou Angra sem passar pelo desconforto dos congestionamentos. Mas hoje esses pequenos objetos de desejo ficaram tão banais que só podem deslumbrar uma menina modesta que ainda não passou dos 18. A não ser, talvez, que o interior do jatinho seja feito de couro de cobra _ talvez.

É claro que ficar rico deve ser muito bom, mas algumas coisas eles perdem quando chegam lá. Maracanã nunca mais, carnaval também não, e ver os fogos do dia 31 na Praia de Copacabana, nem pensar. Se todos têm acesso a esses prazeres, eles passam a não ter mais a menor graça.

Seguindo esse raciocínio, subir o Champs ElysÈes numa linda tarde de primavera, junto a milhares de turistas tendo as mesmas visões de beleza, é de uma banalidade insuportável. Não importa estar no lugar mais bonito do mundo; o que interessa é saber que só poucos,como você, podem desfrutar do mesmo encantamento.

Quando se chega a esse ponto, a vida fica difícil. Ir para o Caribe não dá, porque as praias estão infestadas de turistas _ assim como Nova Iorque, Londres e Paris; e como no Nordeste só tem alemães e japoneses, chega-se à conclusão de que o mundo está ficando pequeno.

Para os muito exigentes, passa a existir uma única solução: se trancar em casa com um livro, uma enorme caixa de chocolates _ sem medo de engordar _, o ar-condicionado ligado, a televisão desligada, e sozinha.

E quer saber? Se o livro for mesmo bom, não tem nada melhor na vida.

Quase nada, digamos.



domingo, 18 de novembro de 2012

Vergonha




Domingo, 18 de novembro de 2012, por Danuza Leão, para a Folha de S. Paulo


          A semana foi pesada, com muitas chuvas e trovoadas.
          Por mais que se achasse que os envolvidos no mensalão mereciam ser condenados, pensar que pessoas que foram tão importantes na vida brasileira, vão para a prisão _ aquela prisão à qual se referiu o ministro da Justiça e que conhecemos bem através de fotos _ não deixa de mexer com quem tem um mínimo de compaixão.
          Algumas coisas me fazem pensar. Será que os muito poderosos, quando ocupam os cargos mais importantes na vida do país, acham que podem tudo, que o poder é eterno, que podem fazer o que quiserem e que jamais serão punidos? E já que o poder é tão bom, que vale tudo para que ele seja eterno? Não só eles, mas também seus amigos, seus ajudantes nos crimes, do mais humilde dos contínuos ao mais íntimo doschefões, todos se acham imunes às leis. Se não fosse assim, não fariam o que fazem quase todos os que têm o poder. E no caso em questão, não me parece que quisessem tanto dinheiro para ficarem ricos _ não todos _, mas para poderemcontinuar poderosos.
          Mas talvez eu esteja enganada; os que mandam num país devem se sentir tão onipotentes que nem acham que estão fazendo alguma coisa de errado. Podem tudo e, claro, queremcontinuar podendo.
          Fico pensando em Katia Rabello, presidente do Banco Rural, que se meteu nessa enrascada nem sei bem por que. Ela já era rica o suficiente, importante o suficiente, inteligente _ imagino _ o suficiente, como é que foi entrar nessa? 16 anos de prisão é muito tempo, e se fosse só um ano também seria; como é que se encara o futuro, depois de receber uma pena dessas?
          A ambição é um perigo, seja ela de que tipo for. Quando as pessoas querem mais, sempre mais, fazem qualquer negócio para conseguir. Mesmo que no fundo de algum desses réus que foram condenados houvesse (talvez) um ideal, o ideal de transformar o país, não há quem me convença de que o poder não lhes subiu à cabeça. Entrar num restaurante e ser saudado com mesuras pelos garçons, ter a melhor mesa, ser paparicado por todos, isso deve deslumbrar muita gente, sobretudo os que nunca tiveram essas regalias. Mas essas regalias não eram para eles, e sim para ocargo que tinham, e assim que outra pessoa assume esse lugar, elas automaticamente são dirigidas aos novos ocupantes dos cargos. E o que são essas regalias, no fundo? Rigorosamente nada.
          E será que é tão importante assim ter gente em volta, literalmente _ e desculpem a expressão _ lhes puxando o saco? É preciso ser muito ingênuo ou muito despreparado para se deslumbrar com essas coisas.
          O curioso é que a maioria dos que foram condenados sofreram na carne os horrores da ditadura, e quando, depois de muita luta, chegaram ao poder, ficaram muito parecidos com os que comandavam o antigo regime. Não prenderam nem torturaram ninguém, mas em matéria de autoritarismo se comportaram da mesma maneira.
          O que me leva a pensar que todo radicalismo, seja ele de esquerda ou de direita, são muito parecidos, e que a única diferença entre eles é que estão em campos opostos.
          E dizer “não vi”, como disse Lula quando perguntado sobre as penas que sofreram seus companheiros, foi constrangedor. Uma vergonha, vindo de um ex-presidente daRepública.

domingo, 11 de novembro de 2012

Uma volta no tempo




Domingo, 11de novembro de 2012, por Danuza Leão, para a Folha de S. Paulo


Quem diria que anos depois _ muitos anos depois _ iamos nos cruzar numa rua de Paris.
          Foi absolutamente inesperado; eu ia andando, ele vinha de outra rua, e quase nos esbarramos, o que felizmente não aconteceu. Apesar do passar do tempo, nem por um minuto duvidei que fosse ele. Quando nos conhecemos ele devia ter uns 30 anos, mais uns 20 tinham se passado, e estava mais bonito do que havia sido. Os cabelos um pouco grisalhos, os traços mais firmes, de homem, e o corpo, o mesmo. Ah, que boa história foi aquela.

         Não foi um caso de paixão, mas sim de amor, amor romântico. Terá durado um mês, dois? A verdade é que naquele tempo uma viagem a Paris tinha que ter, obrigatoriamente, um namoro. Nos víamos todos os dias, e quando o revi lembrei do fim de semana que passamos em Deauville em pleno outono, as florestas que percorremos com as árvores em tons que iam do amarelo ao vermelho, passando por todos os tons de castanho, que lindas lembranças. Depois a volta, já com os dias contados para eu voltar.

         Não se falava disso, claro, e houve a penúltima noite, e a última, e nos separamos sabendo que seria para sempre; calados, pois não havia nada a dizer, nem planos a fazer. Apenas sofremos, de mãos dadas e sem coragem de nos olhar. O tempo passou e a lembrança ficou.

         Mas nunca me se esqueci dele; não totalmente. Dos passeios no Luxembourg, dos cafés onde nos sentávamos durante horas contando nossas vidas, falando do passado mas sem ousar falar de futuro, pois o futuro para nós era fora de questão. Foi um amor lindo, inesquecível, e nunca mais nos vimos nem nos escrevemos, nada. E ali estava ele, a dois passos de mim.

         Teria ele se casado? Continuaria só? Se lenbraria de mim, pelo menos às vezes? Tive vontade de correr para ele, mas e a coragem? Lembrei da música de Chico que diz que é desconcertante rever um grande amor. E como é.

          Vi quando entrou num edifício e fiquei por ali, disfarçando, esperando que ele saísse, o que aconteceu uma meia hora depois. Durante esse tempo meu coração bateu loucamente, e eu pensava: falo com ele ou não? E se ele me der um olhar gelado? Afinal, tantos anos depois, tantas coisas devem ter acontecido em sua vida.Quando ele enfim saiu ainda o segui por uns minutos, mas pensei: calma, Danuza, o que passou passou. Não para todos, não para mim, mas coração de homem é diferente.

         Ele parou na rua, fez sinal para um taxi. Era agora ou nunca, e foi nunca. Tive medo de que ele me tratasse friamente, como uma amiga, ou demorasse a me reconhecer.

         Ou pior, que não me reconhecesse.

                                                   X X X

 Esse encontro aconteceu há uns 15 anos ou até mais. Nunca mais nos cruzamos, e a vida seguiu, como costuma seguir, e escrevi esse registro aí em cima para nada, apenas um hábito que tenho.

         Na última vez em que estive em Paris comprei, como faço sempre, as revistas locais, inclusive a Paris Match, onde ele trabalhava. E folheando a revista vi um texto com umapequena foto dele _ que custei a reconhecer _, e o título: So Long, Bernard. Era uma despedida da revista onde ele trabalhou a vida toda.

          Eu podia ter falado com ele, devia ter falado com ele. Ou não? Que mania, essa, de não aceitar que as coisas se acabem completamente, por que isso? E tenho pensado nele, muito mais do que quando nos separamos séculos atrás.

         São tantas as perguntas, e tão poucas as respostas. 

sábado, 10 de novembro de 2012

Sanatório Geral (Licença Chico )




Domingo, 4 de novembro de 2012, por Danuza Leão, para a Folha de S. Paulo


Sempre ouvi falar que decisão da Justiça não se discute, se acata. Mas não é o queacha o Partido dos Trabalhadores.
               Há os que dizem que um passado limpo tem que ser levado em conta na hora da aplicação das penas.  Dentro dessa teoria, Marcos Valério não poderia ter sido condenado a 40 anos de prisão, quando o norueguês que matou 77 pessoas foi condenado a 21 anos, e se o pai de Isabela Nardoni e sua madrasta foram condenados, respectivamente, a 31 e 27 anos de prisão, como então condenar por crimes que nem foram de sangue, pessoas de “alto valor social”, se os crimes destes indivíduos foram apenas de colarinho branco? Os exemplos se multiplicam, e o PT se prepara para uma grande campanha a favor dos pobres condenados, valorosos combatentes contra a ditadura que lutaram pelavolta da democracia. Nesse tempo eles conviveram com o autoritarismo, e  pelo visto aprenderam e gostaram. Eles lutaram pela democracia? Lutaram, sim. Assaltaram os cofres públicos para poderem se perpetuar no poder? Assaltaram, sim. Quem diz isso não sou eu, são os ministros do Supremo Tribunal Federal, e entre acreditar no que dizem osréus, seus advogados e o PT, ou ministros do quilate de Celso de Mello, Ayres Britto, Marco Aurélio Mello, Luiz Fux, Joaquim Barbosa, fico com os últimos.
               Assisti a todas as sessões do mensalão; no início com alguma dificuldade para entender o que diziam, e depois já mais familiarizada com o juridiquês. Lembrei da CPI, dos depoimentos, fiquei sem entender quem enviou o dinheiro para pagar a Duda Mendonça _ mas não é crime, enviar dinheiro para o exterior? E quem mandou,afinal? _ e confiei no julgamento dos ministros. Afinal, se não se confia no que dizem os ministros da Suprema Corte _ tirando uma ou duas exceções _, confiar em quem?
              Ainda vamos ter muito tempo para os acórdãos, os memoriais, o recesso do Judiciário, o Natal, o Carnaval e a Semana Santa, tempo é que não vai faltar. E leio estupefata, na Folha, que José Genoíno, condenado por corrupção e formação de quadrilha, tem o apoio do PT para assumir uma vaga na Câmara de Deputados, já que é suplente de um deputado que foi eleito para a prefeitura de São José dos Campos. O PT apoia e, segundo o presidente do partido, Genoíno vai assumir “sem problema algum”. Alguém deve estar louco neste país.
              Os alguns deputados já condenados continuam deputados, e os ministros do Supremo ainda vão decidir se eles vão perder os mandatos. Mas na opinião do presidente daCâmara, Marcos Maia _ do PT, é claro _, a cassação deve passar pelo plenário. E se a maioria dos deputados for contra a cassação, como é que fica?
              Uma curiosidade: que tipo de solidariedade o ex-presidente Lula vai prestar a seus antigos amigos, companheiros que o ajudaram a fundar o partido, que partilharam com ele do poder, e que agora estão na pior? Um churrasco seria o mínimo, pela antiga amizade.
              E a pergunta que não quer calar: quem é, afinal, Dilma Roussef? De quem se trata? Às vezes ela faz um agrado à opinião pública e demite alguns ministros, ministros cujas roubalheiras são chamadas de “malfeitos” e foram denunciados  pela imprensa, pois ela não sabia de nada, claro; seus apagões são chamados de apaguinhos, quando Lula chama ela vai correndo a SP receber suas ordens, tipo nomear Marta Suplicy para um ministério para em troca ela fazer campanha para o Haddad, e já se murmura que lá pelofinal do ano, quando as coisas tiverem esfriado, pode haver uma anistia geral aos criminosos, basta Lula querer.
              Mas que país.