domingo, 31 de março de 2013

O assunto do dia




Domingo, 31 de março de 2013, por Danuza Leão, para a Folha de S. Paulo

Quem sempre teve uma relação correta com sua empregada, está tranquilo. Afinal, férias, 13º, INSS, são coisas que nem precisariam de lei para existir, e além de serem justas, fazem com que as relações entre empregada/empregador sejam amenas e pacíficas, o que torna avida melhor para todos. Mas nenhuma lei é perfeita, vide a proibição de dirigir depois de beber; se é possível se recusar a fazer o teste, que lei é essa?
Uma das coisa mal resolvidas é a carga horária. A idéia é que sejam até 44 horas semanais, praticamente 9 horas detrabalho de 2ª a 6ª, o que é demais para qualquer mortal, já que esse trabalho é, na maior parte das vezes, físico, e descansar uma hora, no meio do expediente, como, onde? Na sala, vendo TV? Por outro lado, não há quem precise de uma doméstica tantas horas seguidas, a não ser uma família com pai, mãe e 4 filhos, em que ninguém arruma sua cama, as roupas são largadas pelo chão, cada um almoça e janta na hora que quer, e aí nem as 9 horas diárias vão ser suficientes. Já pensou, explicar aos adolescentes _ e seus amigos, já que eles só andam em turma _ que não dá para pedir vários lanchinhos várias vezes por dia?
Por tudo isso e mais alguma coisa, acho que esqueceram de falar, nessa nova lei, da remuneração por hora de trabalho. Afinal, o horário de uma diarista varia: existem as que trabalham duas horas, 3, 4 ou 5 _ e outras, 9. Os que moram em apartamentos grandes vão precisar de uma empregada em tempo integral e vão pagar por isso; mas para quem vive num quarto e sala, duas horas de trabalho, duas vezes por semana, são mais do que suficientes. É claro que o preço para duas horas não é o mesmo que para 9, e quem tem um emprego de duas horas, duas vezes por semana, pode perfeitamente ter mais dois ou três (empregos). E mais: se o empregador tiver que pagar auxílio creche, auxílio colégio, salário família e estabilidade em caso de gravidez, então só sendo milionário para poder ter uma empregada. Aliás, só pra saber: se for estipulado o preço da hora de trabalho, o preço vai ser o mesmo para quem mora em Caxias e o quem tem uma cobertura com piscina na Delfim Moreira? Só pra saber.
Tenho passado as noites em claro, apavorada, já que sou totalmente dependente de uma ajuda doméstica. Já tivevários tipos de vida, desde morar em apartamento grande e ter 3 empregadas, a um pequeno conjugado onde alguém vinha uma vez por semana dar aquele toque de talento que Deus não me deu. Que felicidade, entrar numa casa, seja ela imensa ou mínima, e sentir que por ali passou uma abençoada mão de fada.
Eu troco essa ajuda por qualquer vestido, qualquer carro, qualquer viagem, qualquer joia, porque para mim esse é o maior dos luxos: uma casa bem arrumada e cheirosa. E espero que as novas leis me permitam, sempre, pagar o que merece a dona desse talento, que para mim vale ouro. Mas a partir de agora vou prestar atenção e contratar mães de filhos já crescidos, até porque em qualquer lugar do mundo a obrigação de dar creche e colégio é do governo.
Assim é essa Pec; imperfeita, e dando pânico de contratar uma nova funcionaria. E se não der certo? Demitir vai sair tão caro que trabalhar como arrumadeira será praticamente ter estabilidade no emprego, como os funcionários públicos; e demissão, praticamente, só por justa causa.Aliás, o que é que caracteriza a justa causa? As empregadoras não sabem, mas pergunte a qualquer candidata a um emprego doméstico; todas elas sabem, na ponta da língua, o que não podem fazer, para não correrem o risco de uma justa causa.É curioso o mundo moderno: um marido pode ser dispensado por incompatibilidade de gênios, e uma empregada doméstica não.





domingo, 24 de março de 2013

A PEC das empregadas



Domingo, 24 de março de 2013, por Danuza Leão, para a Folha de S. Paulo

Essa Pec das empregadas precisa ser muito discutida; como foi mal concebida, assim será difícil de ser cumprida, e aí todos vão perder. A intenção de dar as melhores condições à profissional, faz com que seja quase impossível que o empregador tenha meios de cumprir com as novas leis; afinal, quem vai pagar esse salário é uma pessoa física, não uma empresa. Vou fazer alguns comentários sobre as condições _ diferentes _ em que trabalham as domésticas aqui e em países mais civilizados.
           Vou falar da França e dos Estados Unidos, que são os que mais conheço. Lá, quem mora em apartamento de 2 quartos e sala, é considerada privilegiada, mas nenhum deles tem área de serviço nem quarto de empregada (costuma existir uma área comunitária no prédio com várias máquinas de lavar e secar, em que cada morador paga pelo tempo que usa); uma família que vive num ap desses tem _ quando tem _ uma profissional que vem uma vez por semana, por um par de horas. É claro que cada um faz sua cama e lava seu prato, e a maioria come na rua; nessas cidades existem dezenas de pequenos restaurantes, e por preços mais do que razoáveis.
           Apartamentos grandes, de gente rica, têm quarto de empregada no último andar do prédio (as chamadas chambres de bonne, que passaram a ser alugadas aos estudantes), ou no térreo, completamente separados e independentes da família para quem trabalham. Essas domésticas _ fixas e raras _ têm salario mensal, e sua carga horária é de 8 horas por dia, distribuídas assim: das 8h às 14h (portanto, 6 horas seguidas) arrumam, fazem o almoço, põem a casa em ordem. Aí param, descansam, estudam, vão ao cinema ou namoram; voltam às 19h, cuidam do jantar rapidinho (lá ninguém descasca batata nem rala cenoura nem faz refogado, porque tudo já é comprado praticamente pronto), e às 21h, trabalho encerrado. Mas no Brasil, muitos apartamentos de quarto e sala têm quarto de empregada, e se a profissional mora no emprego, fica difícil estipular o que é hora extra, fora o “Maria, me traz um copo de água?”. E a idéia de dar auxilio creche e educação para menores de 5 anos dos empregados, é sonho de uma noite de verão, pois se os patrões mal conseguem arcar com as despesas dos próprios filhos, imagine com os da empregada. Quem vai empregar uma jovem com dois filhos pequenos, se tiver que pagar pela creche e educação dessas crianças? É desemprego na certa.
           Outra coisa esquecida: na maior parte das cidades do Brasil uma empregada encara duas, três horas em mais de uma condução para chegar ao trabalho, e mais duas ou três para voltar para casa, o que faz toda a diferença: o transporte público no país é trágico. Atenção: não estou dando soluções, estou mostrando as dificuldades.
            Na França, quando um casal normal, em que os dois trabalham, têm um filho, existem creches do governo (de graça) que faz com que uma babá não seja necessária, mas no Brasil? Ou a mãe larga o emprego para cuidar do filho ou tem que ser uma executiva de salário altíssimo para poder pagar uma creche particular ou uma babá em tempo integral, olha a complicação.
            Nenhum país tem os benefícios trabalhistas iguais aos do Brasil, mas isso funciona quando as carteiras das empregadas são assinadas, o que não acontece na maioria dos casos; e além da hora extra, por que não regulamentar também o trabalho por hora, fácil de ser regularizado, pois pago a cada vez que é realizado? Se essa Pec não for muito bem discutida, pode acabar em desemprego.

PS – É difícil saber quem saiu pior na foto esta semana: se D. Dilma, dizendo em Roma que a culpa pelas tragédias de Petrópolis se deve às vítimas, que não quiseram sair de suas casas, ou se Cristina Kirchner, pedindo ajuda ao papa no assunto das Malvinas.


segunda-feira, 18 de março de 2013

Os preconceitos



Domingo, 17 de março de 2013, por Danuza Leão, para a Folha de S. Paulo


Vamos falar a verdade: o governo de Fernando Henrique fez muito pela queda dos preconceitos e a valorização das minorias em geral. Mas devemos reconhecer que o PT fez muito mais: deu voz forte às mulheres e aos afro-descendentes, voz que eles talvez nunca tenham tido antes. Desde que D. Dilma assumiu o cargo, sempre que houve uma brecha ela colocou uma mulher, e nem sei quantas existem em cargos importantes (nem se estão dando conta do que fazem), mas sei que são muitas. Talvez até mais do que seria preciso, para que o universo se convença da igualdade entre homens e mulheres.

          Mas em 10 anos de PT, existe uma minoria que não foi contemplada com nenhum cargo importante: a minoria gay, que nem é tão minoria assim.

          Na parada gay de São Paulo eles conseguem lotar a av. Paulista com centenas de milhares de pessoas entre gays e simpatizantes da causa. Eles existem _ e eu conheçomuitos; são médicos, advogados, arquitetos, engenheiros, enfim, estão em todos os setores, para não falar na vida artística. Mas nos ministérios, na presidência, nas diretorias das grandes Estatais, nunca se ouviu falar de nenhum; porque será?

          A ministra da Cultura sempre prestigiou a parada Gay, mas nem agora, com o poder na mão, convidou algum _ ou alguma _ representante da classe para colaborar com ela. Pode ser até que exista um ou uma homossexual, em algum cargo modesto, mas que ainda não saiu do armário. Aliás, não sejamos ingênuos: é claro que em postos altíssimos da República devem existir muitos gays, só que ainda enrustidos, e não é desses que estamos falando. Mas daqueles sobre os quais não existe a menor dúvida, e que se assumem como tal. Se os prefeitos de Nova York, Paris e Berlim _ e excelentes prefeitos, tanto que foram reeleitos _ são gays, porque o Brasil não pode ter um ministro assumido? E por falar na ministra, acho que ela só existe para fazer a ponte entre os héteros e os gays, para que não pensem que o PT não gosta dos gays.

          Voltando: o PT está no poder há 10 anos e não me recordo de ter ouvido falar de ninguém do partido que seja assumidamente gay, então vamos combinar: para acreditar que o PT quer mesmo acabar com os preconceitos e é mesmo contra a intolerância e a favor da aceitação da pluralidade e das diversidades _ todas _, é preciso que algum figurão petista, gay, seja candidato ou assuma um posto importante nogoverno. Seria bacana, ver o ex-presidente Lula num palanque, pedindo votospara um candidato gay assumido. Vamos lá, Lula? A reforma ministerial está por pouco e a campanha já começou, dois bons momentos que não podem ser desperdiçados, a não ser que o PT seja preconceituoso em relação aos homossexuais.

            Será que ele é?

        P.S. -  Todos estamos cansados de saber que as mulheres são capazes de tudo, e está aí D. Dilma provando que são mesmo; mas vamos admitir que mesmo as pessoas mais liberais têm, lá no fundo, um rançopreconceituoso, e às vezes ele se revela, inconscientemente. Aconteceu, no Dia Internacional da Mulher.

        Foi exatamente este o dia que D. Dilma escolheu para desovar mais uma de suas bondades: a desoneração da cesta básica. Cesta básica é coisa de cozinha, e quem fala em cozinha pensa em mulher; ato mais do que falho da presidente.

         

segunda-feira, 11 de março de 2013

Pobre país




Domingo, 10 de março de 2013, por Danuza Leão, para a Folha de S. Paulo



Lembro bem; era um domingo de sol em outubro ou novembro de 1955, e acordei com o rádionoticiando que o hotel Vogue estava pegando fogo.

       O Vogue era na Princesa Isabel, no Rio, e no andar térreo funcionava a boate mais famosa da cidade. Era lá que se encontravam os políticos (a capital da República ainda era aqui), as beldades e o high society em geral. Não havia jantar, cock-tail, festa, que não terminasse no Vogue, onde as crooners eram Linda Batista e Araci de Almeida, olha que luxo; às vezes aparecia Dolores Duran para dar uma canja. Só saiamos de lá com o sol raiando, e viviamos intensamente os anos dourados, onde se nem todos eram felizes, todos pareciam ser. Foi a melhor boate que o Rio já teve em toda sua história.

       No dia do incêndio a cidade inteira foi para a porta do hotel. Ou pelo menos todos os amigos dos que lá moravam. A agonia foi lenta, durou horas. As escadas do hotel eram forradas de madeira, o que ajudou o fogo a rapidamente chegar ao último andar (eram 12). Como num incêndio não se pode usar o elevador, e pelas escadas em chamas ninguém podia descer, ficaram todos em seus quartos esperando por ummilagre, o que não aconteceu.

        Chegaram os bombeiros, mas suas escadas iam só até o 4º andar; um boêmio muito conhecido na época, o Dantinhas, teve sangue frio para conseguir se salvar. Ele pegou oslenções, amarrou um no outro, molhou, para que os nós não se desfizessem, se vestiu inteiro _ conta a lenda que não se esqueceu nem de botar a pérola nagravata _ e desceu pelos lençóes até encontrar, mais abaixo, a escada dos bombeiros. Foi o único que se salvou (e quando chegou na rua não falou com ninguém; foi para um bar ali perto, onde tomou uma garrafa de uísque inteira).

        Os recém casados Glorinha e Waldemar Schiller foram encontrados abraçados, mortos, dentro da banheira, e duas pessoas se jogaram da janela, entre elas um cantor americano que fazia o show do Vogue naquele momento. Foi uma tragédia que abalou o Rio de Janeiro; quem viu nunca esqueceu.

        Promessas foram feitas pelo chefe do Corpo de Bombeiros, pelas autoridades; aquilo havia sido uma lição, nunca mais nada de parecido aconteceria. Pois esta semana, 57 anos depois, a história se repetiu. Um prédio no Leblon pegou fogo _ e a tragédia só não foi maior porque o prédio tinha apenas 4 andares. Mas um casal não resistiu às chamas, se atirou e morreu - ela com 33 anos, ele com 57; eles pareciam muito felizes.

        A assessoria do Corpo de Bombeiros declarou que no Rio existem apenas três unidades que contam com plataformas e escadas; escadas tão curtas que nem chegam ao quarto andar. E o hidrante não tinha água, claro.

        Dizer o quê? Que o Brasil continua o mesmo de 57 anos atrás, que ninguém faz nada para melhorar os serviço mais elementares, que os boeiros explodem, as escadas dos bombeiros são pequenas, mas que, segundo nossos dirigentes, o Brasil _o Rio, sobretudo_ está bombando? O governador declarou que o socorro foi de padrão internacional, que tal? Claro, ele deve estar comparando com Paris, onde passa a maior parte do tempo; já o nosso prefeito só pensa em carnaval, em samba, em alegria. Eu preferia ter um prefeito e um governador mais sérios, que cuidassem mais danossa cidade e de seus habitantes. Aliás, não me consta que o prefeito esteja estudando uma solução para os blocos, que este ano passaram de todos os limites; ele acha que legal é uma cidade animada.

        Tem horas que nem sei o que dizer. Será que esse país não vai ter jeito nunca? As escadas dos bombeiros eram e continuam sendo pequenas? Então, feche-se o Corpo de Bombeiros, por sua inutilidade.

        E aproveitando o embalo, fecha-se Brasilia.      
 

domingo, 3 de março de 2013

Um homen fiel



Domingo, 3 de março de 2013, por Danuza Leão, para a Folha de S. Paulo


 As mulheres são curiosas. Outro dia ouvi de uma amiga a seguinte pérola: “não é nem que eu esteja assim tão apaixonada, mas estou com XXX porque ele é incapaz de me trair”. A certeza com que ela disse isso _ e a felicidade _, me levaram a pensar: será que essa é mesmo amaior qualidade que se pode querer de um homem? Que ele seja incapaz de nostrair? É um caso a pensar.
       Naturalmente nenhuma mulher está querendo que o homem com quem pretende compartilhar a vida saia atrás da primeira mulher que passar pela frente; mas é preciso que o homem que se ama seja capaz de quase tudo, e nesse quase tudo está incluída a capacidade de achar graça em muitas mulheres; aliás, em quase todas. E é essa capacidade que põe a mulher louca _ por ele. Está-se falando de amor, claro, e qual a mulher que consegue amar sabendo que o homem que ama é incapaz de trai-la, que ela pode passar a vida fazendo qualquer coisa _ ou nada _ que vai ser amada da mesma maneira?
       O que conserva o amor em altíssima temperatura é a incerteza, é a dúvida. Será que ele foimesmo a um jantar de trabalho? Será que foi mesmo ao futebol? E quando o celular tocou e ele disse que não podia falar, que ligava depois, não seria uma mulher? Claro que era, ela vai pensar. E vai viver no fio da navalha, sem certeza alguma do que está se passando, razão mais do que suficiente para não conseguir dormir, para viver atenta, prestando atenção a tudo, sobretudo aos silêncios. Viver à beira do precipício é o maior combustível para uma paixão, e muitos confundem insegurança com sentimentos mais profundos.
       Uma mulher que não tem muita certeza da fidelidade do seu parceiro nunca será vista precisando pintar a raiz dos cabelos ou sem pelo menos um pouquinho de maquiagem. Ela sabe que vive sempre por um fio, e nada melhor para alguém se sentir viva do quesaber que a qualquer momento pode ganhar _ ou perder _ a vida, o dinheiro, o homem amado. Estabilidade? E alguém tem estabilidade em alguma coisa? Se alguém achar que tem, além de ser um ingênuo, vai perceber que é a morte em vida.
       Que você seja a pessoa mais rica do mundo, mais bonita, mais poderosa, pode acontecer de um dia, em um minuto, perder tudo. Se houver uma revolução, o mais rico de todos pode ficar pobre _ e até ser preso; se a mais linda tiver a pouca sorte de passar num desses bueiros que no Rio às vezes explodem, corre o risco de irpara o hospital para cuidar de suas queimaduras, e dizem que dor maior não há; e o poder _ bem, basta ler os jornais, qualquer um, de qualquer país, para ver que se trata de uma gangorra. Faça um exercício de memória e lembre dos nossos governantes do passado, que saíram debaixo de escândalos, e onde eles estãoagora, poderosíssimos de novo; nesse ramo, mais do que em qualquer outro, tudo acontece, inclusive o impossível.  
       É essa certeza de não poder saber nada sobre o futuro que pode, às vezes, trazer uma notícia maravilhosa _ embora seja raro _, ou acabar com suas ilusões e até com seu mundo.
       Complicado, mas esse talvez seja o sal da vida.   

sexta-feira, 1 de março de 2013

Não Chore Guilhermina




Domingo, 24 de fevereiro de 2013, por Danuza Leão, para a Folha de S. Paulo

      Passei a detestar clubes desde o dia em que, há muitos anos, presenciei uma conversa entre alguns sócios de um famoso clube do Rio, o Country. Nesse tempo a garotada tinha amania de roubar carros, dar umas voltas no quarteirão e depois largá-los emqualquer lugar. Detalhe: não eram ladrões, apenas adolescentes brincando detransgredir.
      Só que nesse dia a polícia viu, e foi atrás; os meninos, apavorados, entraram no estacionamento do Country (eram filhos de sócios), e a polícia foi atrás. O final dessa história não importa, mas nunca esqueci do que ouvi. Segundo esses sócios, a polícia não tinha o direito de entrar num clube privado, que tal?. Foi a partir daí que comecei a detestar clubes e, mais ainda, os que ditam as regras dosclubes.
      No Country é assim: a pessoa que pretende ser sócia, em primeiro lugar compra um título _ entre R$ 500.000,00 e R$ 1.000.000,00; depois paga o mico de ter seu nome estampado num quadro, e se arrisca a pagar um mico ainda maior, o de não ser aceito (as famosas bolas pretas), e ter que fingir que nada aconteceu. Ninguém jamais saberá por que razão a pessoa levou bola preta, e também jamais saberá quem deu a(s) bola(s) preta(s). Esse é um ato de covardia explicita, e como no clube ninguém tem assunto, um prato para os sócios. O alvo predileto dos que votam costuma ser mulheres solteiras e bonitas; eles sabem, intuitivamente, que a elas jamais terão acesso. E tem o grupo das mulheres, que pressiona os maridos para votar contra, porque não querem no clube mulheres solteiras e bonitas, ai ai.
       O Country é um clube decadente, frequentado por pessoas _ excetuando algumas poucas _ tão decadentes quanto. Gente que não tem coragem de se expor, e passa a vida almoçando, jantando, casando, traindo, roubando, dando pequenos golpes dentro da própria família, protegida pelas paredes do clube; lá tudo pode e tudo é perdoado, desde que aconteça entre os sócios. É como se fosse um país dentro de outro país, com um presidente, seus ministros, suas fronteiras, suas leis. Não sei onde tem mais mofo, se nos sofás ou nas cabeças desses frequentadores, que adoram seus privilégios: as piscinas, as quadras de tênis, a liberdade de assinar as notas para pagar no fim do mês _ quando pagam. Como os sócios estão, em boa parte, falidos, podem comer seu picadinho _ ruim _ lembrando dos velhos tempos. Bom mesmo vai ser no dia em que um deles escrever um livro contando  as histórias do clube, que devem ser de arrepiar, mas vai ser difícil: quando você fica sócio, passa automaticamente a fazer parte de uma sociedade secreta, tipo uma máfia, onde a ormetà (voto de silêncio) é sagrada. Tudo pode _ e põe tudo nisso _, desde que seja só entre eles.
        Logo que cheguei de férias soube do affair Guilhermina Guinle, que tentou ser sócia do clube mas foi bombardeada por bolas pretas. Pensei, pensei, e não entendi. Por que uma mulher bonita, charmosa, rica, de sucesso, quer ser sócia do Country? E pensei que, como todos os que já receberam as tais bolas pretas, ela mereceu: é o castigo de querer pertencer ao clube mais gagá do Brasil. Dá para entender que uma pessoa pague uma fortuna pelo título de um clube em que alguns poucos vão decidir se ela pode frequentá-lo? E é possível alguém querer frequentar um lugar em que é preciso pedir licença para entrar, e essa permissão ser dada _ ou não _ por um pequeno grupo cujo momento de gloria é a reunião do clube, onde podem dar vazão às suas frustrações e se vingar da vida? Não dá para entender mes-mo.
        Aliás, seria uma boa idéia desapropriar aquele belo terreno que dá frente para a Av. Vieira Souto e fazer ali um jardim público onde os atuais sócios poderiam ir dar seus passeios e falar mal da vida dos outros, sem pagar um só tostão.
         O papa se demitiu, os meteoros estão caindo, o mundo se acabando, e o Country continua acreditando em suas bolaspretas. É de chorar.