domingo, 26 de maio de 2013

Ah, as mulheres


Domingo, 26 de maio de 2013, por Danuza Leão, para a Folha de S. Paulo   

Eu conheço um homem que, como não leu o livro de Nelson Rodrigues _ Não se pode amar e ser feliz ao mesmo tempo _, queria ser amado e ser feliz. De tanto ouvir as reclamações das mulheres sobre os homens, procurou aprender _ e aprendeu _ a não ter nenhum dos defeitos dos quais elas se queixavam tanto, e que eram sempre mais ou menos os mesmos. Não funcionou com a primeira, nem com a segunda, nem com a terceira, aliás, com nenhuma; ele achou estranho, e veio conversar comigo.
           E me contou que trata todas, sempre, superbem, valoriza a mulher amada, cuida e zela, mostra que ela é a prioridade da vida dele; é atencioso, prestativo, ótimo pai, procura dar os presentes certos, aqueles que são seus sonhos de consumo, se empenha em fazê-la feliz, apoia o quanto pode sua carreira, leva-a às Europas que ela não conhece, puxa conversa para assuntos de que ela gosta, repara em sua aparência, seu corte de cabelo, e a elogia sempre. Além disso não se esquece dos aniversários: de casamento, do primeiro dia de namoro, do dia da primeira transa, lembrando sempre com flores, um presente, até mesmo uma viagem; reúne, enfim, todas as condiçõespara ser um ótimo amigo, um pai adorável, e é totalmente desprezado como objeto de desejo e paixão.
           Meu amigo não compreende as mulheres, e não entendeu que o homem com quem se sonha não tem nada a ver com o homem que se ama. Nenhuma mulher vai se apaixonar por um homem que esteja de quatro por ela, adivinhando seus pensamentos, realizando seus desejos, antes mesmo de ela saber que desejos são esses. Ela pode gostar, sim, mas durante 24 horas, 48, enquanto existir aquela dúvida fundamental: que talvez não seja para sempre. É insuportável ser amada acima de todas as coisas o tempo todo, e pior ainda ter uma pessoa ao lado que nos tem como sua prioridade.
           Para que o amor dure, é preciso que exista a dúvida se ele vai sobreviver, até mesmo àquela noite; não saber se ele vai ligar, não saber em que está pensando quando está calado, e sobretudo _ sobretudo _ saber que ele jamais vai lembrar de nenhuma das datas fatídicas, de quando se conheceram, etc. etc., e jantar num restaurante especial e tomar um vinho no Dia dos Namorados. Para um homem ser amado é preciso que ele tenha um mundo particular _ ou vários _, só dele, e no qual ela não consiga, jamais, penetrar. Que seja o futebol, o surf, a astronomia, a corrida de cavalos, a guerra daSiria, tudo vale, contanto que ela não seja a única a ocupar seus pensamentos.
            As coisas muito certas não têm graça; pense nos cassinos, onde uma multidão arrisca seu dinheiro na incerteza, sem saber se vai dar o preto ou o vermelho, o par ou o impar, o 4 ou o 17. Se soubessem, ia ter graça?
            Esse meu amigo não fez tudo errado, não. Ele fez tudo certo, quando mandava flores, quando surpreendia suas amadas com a perspectiva de uma viagem, quando lembrava de seu aniversário na véspera, à meia noite, sem imaginar que ela, chegando aos 42, queria saber de tudo, menos dessa data, razão de sobra pra odiá-lo.
            Ele não pensava no prazer dela, e sim no dele; o prazer de se sentir generoso, magnânimo, o amante perfeito, o que para ele era certamente mais importante do que ser amado. Conseguiu, e não tem do que se queixar.
PS – quem diria que a canção Ne me quitte pas, hino da dor de cotovelo, poderia ser cantada por alguém além deJacques Brel; pois Maria Gadú ousou, e ainda ousou mais, junto com seu arranjador, botando um ritmo. Deu certo, e viva a dor de cotovelo em versão moderna.


domingo, 19 de maio de 2013

ERA UMA VEZ



Domingo, 19 de maio de 2013, por Danuza Leão, para a Folha de S. Paulo          
Outro dia eu estava num café; sentado ao meu lado, um jovem bem jovem, 28 anos, já casado. Havia uma TV, e na tela, cantando e dançando, Ricky Martin. Como sou meio desligada, perguntei ao garoto _um garotão, praticamente_ se o cantor não tinha sido do grupo Menudos. Tive a impressão de ter dito uma palavra em javanês; ele fez um esforço de memória e perguntou: Menudos? Custei a entender: ele nunca tinha ouvido falar dos Menudos. Não que fosse alguém alienado do panorama musical; apenas uma questão de faixa etária.
            Passei uns momentos testando: ele sabia quem havia sido Doris Day? Tinha ouvido falar de Grace Kelly, Rita Hayworth, Ava Gardner? Não, ele nunca havia ouvido falar de nenhuma dessas pessoas. Desisti, claro.
            No início fiquei chocada, mas logo logo me coloquei e imaginei: se ele citasse algum dos cantores de rock atuais, algum conjunto bem moderno, qualquer um, desses que vão tocar no Rock in Rio, sabe qual seria a minha resposta? Zero.
            É muita informação; são muitos cantores, muitos conjuntos, muitos tipos de música, não dá para esperar que a nova geração tenha ao menos ouvido falar dos que foram nossos ídolos. Nos tempos em que a informação era mais discreta, era fácil ter ouvido falar em Napoleão, e fico pensando: o que pode ser desculpado, quando se fala em nova geração? Com que idade se tem o direito de não saber quem foi Gagarin, que Woodstock existiu, que um dia o mar de Copacabana era muito mais próximo dos edifícios, que no Maracanã havia a Geral, de onde os torcedores assistiam às partidas em pé, que todos os apartamentos, mesmo os de quarto e sala, tinham área de serviço e quarto de empregada, que houve maio de 68, no Brasil teve 64, que os alunos dos colégios usavam uniforme e quando o professor entrava na sala de aula os estudantes se levantavam e davam bom dia ou boa tarde, dá para acreditar? E nem faz tanto tempo assim.
            O colégio; no início do ano era cheio de novidades. As crianças ganhavam uma lancheira de metal nova, onde levavam um pãozinho doce, uma fruta que não precisasse de faca _tangerina ou banana_, e só. Ganhavam também uma régua de madeira, um compasso, um lápis Faber nº 1 e outro nº 2 (o apontador era daqueles de manivela, preso na mesa da professora), borracha e uma caixa de lápis de cor. Dependendo da condição econômica dos pais, essa caixa era de seis lápis, 12 ou 18, e essas últimas deslumbravam as mais pobrinhas. E os lápis franceses Caran D’Ache, que só uma das alunas tinha, eram o sonho impossível de todas as meninas.
     Agora acredite: havia aulas de delicadeza, já ouviu falar? Nessas aulas se ensinava, basicamente, a como se comportar, como cumprimentar uma pessoa, como se sentar, e nos boletins, que eram mensais, entre as notas de geografia, matemática etc., também havia as notas de educação física e de comportamento, que contavam ponto para passar ou não de ano.
           Não havia lanchonete; à venda, apenas mariolas, que eram retângulos de bananada passados no açúcar cristal, e paçocas; quem tivesse sido apanhada conversando durante a aula tirava nota baixa no quesito comportamento, além de perder o recreio e ficar de castigo na capela. Se a infração tivesse sido mais grave, o castigo seria ficar de joelhos no milho, aos sábados nos confessávamos para comungar no domingo _em jejum, com um veuzinho branco na cabeça_, quem não fosse à missa caía em pecado mortal, e se morresse antes de confessar e ser absolvida pelo padre, ia para o inferno.
           Tudo isso aconteceu nem faz tanto tempo assim, e nunca ninguém pensou que o ano 2000 fosse chegar.

domingo, 12 de maio de 2013

EVITANDO OS RISCOS


 


Domingo, 12 de maio de 2013, por Danuza Leão, para a Folha de S. Paulo
  
É curioso: quando acontece uma tragédia, logo surge uma onda de tragédias iguais ou muito parecidas; agora é a vez desse crime bárbaro que é o estupro. Desde o horror que aconteceu com a turista americana, outros casos foram surgindo, e ultimamente são os adolescentes que têm aparecido no noticiário por abordar suas colegas de colégio de forma pouco respeitosa _ para dizer o mínimo.
          Em São Paulo, garotos se comportam de maneira condenável com meninas da mesma escola, sendo que são todos, eles eelas, muito jovens. A família das meninas se queixam à diretoria do colégio, que por sua vez procura os pais dos garotos, o assunto chega à imprensa e nada _ ou quase nada _ é resolvido.
          Sobre o assunto, o caderno Equilíbrio, da Folha, ouviu diversas opiniões. Rosely Sayão, colunista do jornal, se expressou dizendo que “a sexualidade desses jovens está muito exarcebada e eles não têm noção do respeito”, e continuou: "a fase dos 13, 14 anos é a pior; é quando a efervescência hormonal se junta à hiperestimulação”. Mais adiante, a psicóloga da Unesp, Renata Libório, se dirige à família e à escola, pregando “por que não respeitar a menina, não importa a roupa que ela usa?”  Estão certas as duas, e só me surpreendi ao saber que a sexualidade dos garotos está exarcebada tão cedo: 13, 14 anos? Pensava que nessa idade ainda fossem pouco mais que crianças.
           Fiquei pensando: é claro que família e escola devem fazer de tudo para que esses adolescentes respeitem as meninas, mas sinceramente, é difícil. Basta ligar a televisão, ler as revistas, e ouvir contar que as jovens estão “ficando” com vários garotos nas festas, se e gabam de terem beijado 5, 10 ou 15, nem sei, outra leiloa sua virgindade, todas se vestem de maneira provocante _ e vamos dar esse crédito a Xuxa; foi a partir de seus programas na televisão que a infância começou a ser sexualizada, e que as crianças se vulgarizaram, passando a ter, como sonho de consumo, sapatos desaltinho, unhas pintadas, boca vermelha de baton, como verdadeiras chacretes em miniatura.  
           É claro que o ideal é que as meninas sejam respeitadas, mas para isso, é preciso também que elas ajudem. As famílias devem orientar os filhos a serem seres civilizados, claro, e ao mesmo tempoensinar às filhas a não usarem shortinhos, minissaias de um palmo, jeans que mal cobrem a virilha, tops mínimos, camisetas em cima da pele, e por aí vai. Se aos 13, 14 anos, a sexualidade dos meninos está exacerbada, não deve ser só a deles; a delas também. Desde que o mundo é mundo as mulheres gostam de provocar, de se exibir, de se sentirem desejadas. Faz parte do jogo, mas a sexualidade masculina é mais violenta, e é aí que mora o perigo.
           O mundo não é o que gostaríamos que ele fosse, e os riscos são permanentes, até para quem fica dentro de casa. Quem andar sozinha à noite numa rua deserta vai correr mais risco de ser assaltada, quem estiver vestida de maneira mais provocante vai correr mais risco de ser desrespeitada, quem abrir a porta de casa sem saber quem está batendo vai correr mais risco de ter sua casa invadida. Os meninos têm que fazer a parte deles, e as meninas a delas.
           E tem uma coisa que vejo nos jornais, mas que não consigo compreender. Estupro em ônibus, como assim? Como é possívelhaver estupro dentro de um ônibus?
           Pois tem.

            

segunda-feira, 6 de maio de 2013

Alguns palpites, algumas curiosidades




Domingo,5 de maio de 2013, por Danuza Leão, para a Folha de S. Paulo
     
Leio os jornais, vejo TV, presto atenção a algumas coisas _ não ao conflito da Siria _ e me meto em assuntos onde não fui chamada; é mais forte que eu.
     Começando pela PEC das empregadas, assunto que me fascina. Se as novas regras tivessem sido estabelecidas por pessoas mais inteligentes, mais preparadas, é elementar: a PEC não teria que passar por uma regulamentação (que está sendo, aliás, bemcomplicada).
     Li outro dia que uma empregada que ganha em volta de R$ 1.500,00, feitas todas aquelas contas complicadíssimas _ que começam com a divisão do salário por 220 _, vai receber por cada hora extra (noturna) em volta de R$ 10,00. Não foi dito se ela é obrigada a aceitar fazer horas extras noturnas, mas eu, se fosse ela, não aceitaria. Ganhar R$ 20,00 para trabalhar além do expediente, de 10h à meia-noite? Nempensar. E outra coisa: quem trabalha em um apartamento pequeno, 2 horas pordia, duas vezes por semana, como é que fica? Nisso ninguém falou.
     Também não foi falado, mas é bom lembrar, que as empregadas passaram a ter direito a todos os feriados: os 3 dias de carnaval, dia 1 de janeiro, dia de S. Jorge, sexta-feira da Paixão, etc. etc. E não vai mais ser preciso chamá-las de secretarias do lar; agora são empregadas, o que antes era considerado ofensivo. Dúvidas: elas podem se recusar a trabalhar de uniforme? Se não puderem, tente imaginar a cena: servir a mesa em casa de Paulo Maluf, por exemplo, de shortinho de lycra, tomara que caia e sandália havaiana. Mais uma coisinha: o que é considerado justa causa? Tive uma empregada cujo horário era das 10h às 14h, mas que chegava invariavelmente às 12h; seria isto considerado justa causa? A PEC só fala das obrigações dos empregadores, e de nenhuma das empregadas.
      Outro assunto: o direito dos pedestres. Não sei se é ou não permitido que skatistas e ciclistas circulem nas calçadas, mas eles circulam na boa, sem respeitar a mão e a contramão, ai de nós pedestres. E aproveitando a onda, porque não proíbem o celular dentro dos elevadores? Outro dia eu ia para o 21º andar e eram dois que falavam _ sendo que um deles comentava a novela. Se tivesse uma arma eu matava, e qualquer juiz me absolveria.
       E mais um, o último: há muito tempo não ia ao calçadão de Ipanema tomar uma água de coco num quiosque. Fui no feriado, e achei estranho que o coco não tivesse sido aberto como sempre foi; havia nele um furinho muito bem feito, como se fosse por um sacarrolha, para a entrada do canudo (fora a inflação, de 3 para 5 reais). Estranhei, e tive a impressão de estar tomando uma água de coco industrializada, o que não tem a menor graça. Quando terminei pedi para que cortassem o coco, para ter o prazer celestial de comer a carne, com um pedaço da casca servindo de colher; aí soube que, desde o carnaval, isso havia sido proibido.
       Não dá para acreditar; um dos prazeres da praia, diante da natureza espetacular _ para nativos e turistas _, é justamente, depois de beber a água, comer a carne, que às vezes está um creme, às vezesmais sólida, e essa expectativa faz parte do encanto e da maravilha que é se estar num país tropical.
       Hoje, quem bebe a água do coco tem a sensação de estar tomando um refrigerante, sua carne, que deveria ter sido tombada pela Unesco, já era, e gostaria de saber de quem foi essa idéia de jerico.
       Será que o prefeito Eduardo Paes, que se gaba tanto de ser carioca, sabe disso? É isso que se chama choque de ordem?Pobre do Rio de Janeiro.