domingo, 26 de agosto de 2012

E A CPI DO CACHOEIRA?




Domingo, 26 de agosto de 2012, por Danuza Leão, para a Folha de S. Paulo


O julgamento do mensalão demarrou – enfim -, mas a CPI do Cachoeira continua em ponto morto. Não é segredo paraninguém que há uma blindagem para que ela não prossiga, com o propósito claro de não salpicar lama no governador Sergio Cabral. Mas já salpicou.

        No Brasil com tantas leis, tantas brechas, tantas filigranas que qualquer advogado de porta de xadrez encontra para proteger seus clientes ou postergar os julgamentos, será que não existe nenhuma possibilidade que impeça os convocados de ficarem calados quando interrogados, como permite a Constituição? É inacreditável: alguns, assim que convocados, já entram com pedido de habeas corpus antes do comparecimento, para ter o direito de não falar; e se ninguém fala, não há CPI que prospere.

        Se os convocados tivessem que jurar sobre a Biblia, como se vê nos filmes americanos, também não adiantaria: eles mentiriam com a cara mais limpa, como aliás fizeram todos os réus do mensalão. E como o mensalão é a grande novela do momento, fala-se pouco da CPI do Cachoeira.

        Se for aberto o sigilo bancário da Delta de muita coisa vai se saber, mas como os interessados em que nada apareça são maioria na CPI – afinal, o governador do Rio é assim, ó, com a presidente Dilma – já se sabe que quando Cavendish aparecer para depor vai fazer como todos os outros fizeram até agora, isto é, vai entrar mudo e sair calado; se ele for, claro. Isso é um escárnio, seja o convocado do PT, PSDB ou PMDB. Ésimples: eles têm que falar.

        Será que não há um jurista, um advogado, um senador, uma autoridade, enfim, que encontre uma maneira de obrigá-los a responder às perguntas? Eles pensam que o episódio grotesco da dança em Paris, com os guardanapos na cabeça, já foi esquecido, e o governador segue a linha Lula: se esconde e não diz uma só palavra. Pensa que os eleitores se esquecem, e vai ver, tem razão. Vide Maluf; não tem gente que ainda vota nele? E por que não abrem as contas bancárias da Delta, como forçar para que isso aconteça? Afinal, nunca se ouviu falar de uma empreiteira que tenha conseguido fazer tantas obras em tantos estados do país.

        Cavendish sumiu do mapa, ninguém sabe, ninguém viu. Não é mais presidente da Delta, não é mais visto em lugar algum. Se ele não falar, como os outros fizeram até agora, vai dar razão a quem diz que trata-se de uma máfia, cujo código de honra é o silêncio, a famosa “ormetá”. É só lembrar de Don Corleone, no Poderoso Chefão. Quem será o “capo”?

        Enquanto escrevo, acompanho pela televisão o voto do ministro Ricardo Lewandowski, ex vice-diretor da Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo, com sua toga de veludo, que já absolveu João Paulo Cunha, até agora, de dois crimes. Nenhuma surpresa: o Brasil inteiro já intuía como seria o voto do ministro.

        Voltando à CPI do Cachoeira: não é possível que se ouça, também de Cavendish, o que já virou chavão: “Segundo a Constituição, vou usar do meu direito para não responder”.

        Não pode, ou melhor, não deveria poder. Tem que responder.

sábado, 18 de agosto de 2012

Se eu pudesse



Domingo, 19 de agosto de 2012, por Danuza Leão, para a Folha de S. Paulo



Se eu pudesse, mudava minha vida toda; não que ela esteja ruim, mas só para ver que ela pode ser diferente.
Se eu pudesse, me desfaria de muitas coisas, da minha casa e de quase todas as roupas. Afinal, quem precisa de mais do que dois pares de sapatos, dois jeans, quatro camisetas e dois suéteres, sobretudo quando anda pensando em mudar de vida?
Se eu tivesse muitas jóias enterrava todas elas na areia da praia para que um dia alguém enfiasse a mão brincando, assim para nada, e tivesse a felicidade de encontrar um colar de brilhantes. Afinal, dá para viver sem, não dá?
Das algumas garrafas de champanhe guardadas cuidadosamente, na horizontal, daria para abrir mão, sem nenhuma possibilidade de remorso futuro; champanhe, além de engordar, não passa de um espumante metido a alguma coisa, e nem barato dá, de tão fraquinho que é. Dos vinhos,mais fácil ainda; nada melhor do que o velho e bom uísque, com o qual sempre se pode contar.
E as amizades? Aliás, as amizades, não: as relações. Ah, se tivesse coragem, compraria um novo caderno de telefones e passava só aqueles pouquíssimos nomes que realmente têm algum significado, e que são tão poucos que nem precisaria escrever. Guardaria todos de cor, não na cabeça, mas no coração, e um dia me esqueceria de todos eles.
Se eu pudesse, iria recomeçar a vida em outra cidade, talvez em outro país, para nada, só para começar tudo do zero. Para às vezes sofrer bastante, pensando que poderia ter tido mais juízo e não ter feito tantas bobagens, pois se tivesse errado menos poderia ter sido mais feliz _talvez. Mas alguém tem o poder de fazer alguém sofrer, ou a capacidade do sofrimento é um bem pessoal e intransferível? Se alguém conseguisse ainda me fazer sofrer, seria um acontecimento a ser festejado.
Se eu pudesse _ e não tivesse tantos compromissos _ seria vegetariana, passaria as noites em claro e teria muitoamor pelos animais e pelas crianças. Mas como tenho horror a qualquer bicho e nenhuma paciência com criancinhas, a não ser com meus bichos e minhas crianças, vou ter que atravessar a vida levando essa pesadíssima cruz _ afinal, ficoucombinado que de certas coisas não se pode não gostar, e se não se gostar não se pode dizer, que vida.
Se pudesse largaria tudo e iria embora para um lugar onde ninguém me conhecesse, onde não teria passado nem futuro; para um lugar esquisito no qual não entenderia a língua do povo nem ninguém entenderia a minha. Seriamos todos, assumidamente, estranhos _ como somos no edifício onde moramos, no local de trabalho, dentro de nossa família. Ou você pensa que alguém conhece alguém porque dá beijinhos no elevador?
Se eu pudesse, quando acordasse hoje de madrugada saía descalça só com um casaco em cima da pele e ia molhar os pés na água do mar, sozinha. Depois, ia tomar um café no balcão de um botequim, como fazem os homens.
Se eu pudesse, rasgava os talões de cheques, cortava os cartões de crédito com uma tesoura, fazia uma linda fogueira com os casacos de pele e ia saber como é que vivem os que não têm, nunca tiveram enunca vão ter nada disso. E aproveitava o embalo para cortar os fios dos telefones, jogar o celular na tela da televisão e o computador pela janela _ deve ser lindo, um computador voando.
Se eu pudesse, raspava a cabeça, acendia dois cigarros ao mesmo tempo e tomava uma vodca dupla, sem gelo, num copo de geléia. E pegaria uma gilete para picar em pedacinhos a carteira de identidade, o passaporte e o CPF, sem pensar um só instante nas conseqüências e sem um pingo de medo do futuro. E jogava na lata de lixo meus lençóis, meus travesseiros de pluma, meu cobertor e engolia minhas pestanas postiças, só para aprender que a vida não é só isso.
Se eu pudesse, esquecia o meu nome, o meu passado e a minha história e ia ser ninguém. Ninguém.
Se eu pudesse, não, se eu quisesse.
Pois é, tem dias que a gente está assim, mas passa.




domingo, 12 de agosto de 2012

BENDITA LOUCURA




Domingo, 12 de agosto de 2012, por Danuza Leão, para a Folha de S. Paulo



Segundo Luiz Felipe Pondé, só os loucos ainda viajam. Dou total razão a ele, e assumo que sou louca.

        É só aparecer a oportunidade de uma viagem para mais ou menos qualquer lugar que já me alvoroço, e só quando começo a tomar as providências, tipo quem vai cuidar do meu gato, como pagar as contas no fim do mês, e mais mil etcs. _ e isso é só o principio _ percebo a insanidade que é viajar. Quando chego ao aeroporto e vejo a fila, penso na minha casa e tenho vontade de chorar, mas aí não dá mais para recuar.

        Para os loucos, como eu, existe a ilusão de que uma viagem é e será sempre a melhorcoisa do mundo _ aliás, nunca é _ e quando posso, meu destino é sempre Paris. Já vou sonhando com o taxi do aeroporto para o hotel, geralmente conduzido por um motorista francês tendo, no assento a seu lado, um cachorro bem grande (em outros tempos, fumando um gauloise). No rádio, bem baixinho, música clássica; bons tempos. Da última vez o motorista era um asiático que, além de mal falar francês e não conhecer a cidade, passou todo o tempo do trajeto falando no celular, bem alto, numa língua estranha. Foi horrível.

      Logo no primeiro dia, fui avisada: “não vá ao Champs Elysées; não dá nem para andar, de tanta gente, e você ainda se arrisca a ser roubada”. Fala sério: estar em Paris e não poder ir ao Champs Elysées é um mau sinal. Me privei de ver a avenida mais linda do mundo, mas vi, nos cafés, restaurantes e museus, multidões; as grandes cidades estão cheias demais. O mundo está ficando sem graça? Está. Então as viagens acabaram? Não, não acabaram, mas têm que ser repensadas. Eu ando repensando as minhas próximas.

        Segundo disse Humphrey Bogart a Ingrid Bergman, em Casablanca, “we will always have Paris”; nós também sempre teremos Paris, mas em termos. A razão pela qual se viaja, é para ver cidades com características próprias, com coisas que só lá se encontra, mas está difícil encontrar lugares especiais, únicos, já que estão todos tão iguais. A saída? Estou inclinada a pensar que a solução são as pequenas vilas, no interior, ainda não contaminadas pela globalização. Vamos sempre passar porParis, claro (ouvi dizer que Roma ficou fora de questão, tal a quantidade de turistas), mas existem lugares deliciosos que ainda não foram descobertos, onde se pode ser feliz por alguns dias, longe desse insensato mundo.

        Como na Europa os países não têm a dimensão continental do Brasil, a distância entre duas cidades (e até entre dois paises), costuma ser pequena, o que facilita o deslocamento. Da última vez, deixei Paris e fui parar em um pequeno vilarejo na Italia com 6.000 habitantes, nada famoso (poderia ter sido na Espanha, na França, ou em Portugal). Nele, como em quase todos, havia um pequeno palazzo abandonado, uma ruína, e um café na praça, onde passei horas observando o vai-vem dos locais; depois, jantei em um restaurante que não está em nenhumguia, onde comi muito bem e bebi o vinho da região, por metade do preço dasgrandes cidades. Ótimo, pois como dizem os conhecedores da gastronomia, come-se mal em Paris.

        Me senti como num filme de Fellini: os personagens estavam todos lá, era só olhar para reconhecê-los. Foi uma semana tranquila, que virou minha cabeça pelo avesso, com todas as fantasias de praxe: viver numa cidade em que ninguém está conectado, sem ter conhecimento do que está na moda _ nem as comidas, nem os vinhos, nem o último iPad com 350 milhões de programas, nem nada, num clima de paz total, como deve ser bom; será isso a felicidade?

        Impossível saber, mas talvez a resposta seja sim.

        Talvez.