Outro dia me programei para passar a limpo a agenda de telefones, coisa que não fazia havia cinco anos. Eu talvez seja a última pessoa a ter uma agenda de papel, mas como sou romântica e sentimental, é assim, e pronto. Não existe nada melhor do que uma agenda novinha em folha, com todas as páginas em branco. É quase igual a recomeçar a vida, com muitas delícias e algum tormento.
No dia marcado, comecei a saber dos últimos escândalos pelos jornais, e quando li sobre o inacreditável código de ética do nosso inacreditável governador Sérgio Cabral, achei que tinha mais o que fazer; toda animada, comecei pela letra A, achando que ia ser tudo uma delícia, e no princípio até foi.
Mas percebi que a cada nome era preciso fazer uma opção e reavaliar as relações para saber se valia a pena tê-las na agenda nova. Algumas eu tinha certeza que sim, outras que não, e algumas, francamente não sabia.
Aquela amiga com quem abri meu coração tantas vezes, com quem ficava horas no telefone falando do passado e fazendo planos para o futuro; com ela desabafei, ri e chorei, juntas compartilhamos alegrias e tristezas.
Gostava dela de verdade, mas na verdade, entre nós só havia em comum o fato de sermos solteiras, nos encontrarmos todos os dias na ginástica e, frequentemente, à noite, para a balada, o que não chega a ser muito. Um dia ela mudou para outro bairro, se casou, teve um filho, e os telefonemas, claro, foram rareando. Se nos cruzarmos hoje em algum lugar vai ser um prazer -será mesmo?- mas sinceramente: vou ligar para ela algum dia na vida? Finjo que estou na dúvida, mas já sei que não.
Responder a essa pergunta é um exercício de autoconhecimento. Será que eu não tenho sentimentos e de tudo o que passamos juntas não sobrou nada? Sobrou uma amizade, sim, só que ela agora faz parte do passado, e as lembranças -poucas- vão ficar só no coração, não na agenda. Aliás, eu nunca liguei para ela, mas nem ela para mim.
A cada nome vinham coisas na cabeça, e na letra L já tinha passado metade da minha vida a limpo. De algumas, lembrei com prazer -e doeu, por já terem passado- e de outras, preferia ter esquecido. Aquela empregada que trabalhou para mim durante anos e que foi testemunha de todas as coisas -as boas e as péssimas- e para quem nunca mais telefonei.
E o remorso? Vou ligar, adoro ela, mas já sei que vou sofrer.
Mas tem outras: houve um homem por quem um dia inventei sei lá o quê, e como essas invenções têm prazo de validade curto, logo chegou a hora de desinventar.
Um dia, num aeroporto, achei que era ele e enfiei a cara no jornal para não ter que falar. Podia pintar tomar um café, com direito a perguntas sobre como vai a vida, só que a última coisa no mundo de que eu queria saber era da vida dele, e ele, provavelmente, da minha. E se nosso avião fosse o mesmo? E conversar, durante a viagem? Essa foi até fácil: ele não foi para a agenda nova.
E os que estão na agenda, mas que você não vê há 20 anos, como estarão? A memória protege e nos faz lembrar da pessoa como da última vez em que a vimos, mas a vida deixa marcas no rosto e na alma. Quando você vê essas marcas no outro, sofre e pensa que está sofrendo por ele, mas na verdade está sofrendo por você mesma. Afinal, os 20 anos não passaram só para ele.
Refazer uma agenda é uma queima de arquivo, e ninguém passa por isso impunemente; a vida é cruel, e em alguns casos, a única defesa é endurecer, e sem nenhuma ternura.
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