segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Cemitério virtual



Domingo, 13 de março de 2011, por Danuza Leão, para a Folha de S. Paulo

Outro dia lembrei da primeira vez em que vi um cemitério de automóveis; foi há muitos anos, nos arredores de Nova York. 
Num imenso terreno baldio, centenas, talvez milhares de carros, que fariam a felicidade de qualquer milionário brasileiro da época (nesse tempo, no Brasil, só diplomatas estrangeiros podiam ter os importados). Não dava para entender que carros tão novos estivessem jogados uns em cima dos outros, esperando que uma espécie de trator os transformasse em simples chapas de metal. Muito estranho.
Era no tempo em que os enormes Cadillacs arrasavam, que os Buicks e Packards só faltavam ser aplaudidos quando passavam. E os conversíveis? Eram incríveis, carros que só se conhecia dos filmes; os chamados rabo-de-peixe eram imensos e de todas as cores, e a que mais sucesso fazia -na época, gente, na época- era a verde piscina.
Um pensamento leva a outro, e imaginei que um dia todos os celulares, iPods e iPads também serão objetos tão do passado que irão parar num cemitério -virtual, claro.
Fiquei pensando também em como serão as casas do futuro, um futuro talvez bem próximo. Estantes de livros não serão mais necessárias, CDs serão coisa tão antigas como são hoje os LPs e as fitas cassete, e sem CDs, nenhuma razão para se ter um som. Televisão, cada um vai ver seu programa preferido pelo próximo iPad, e para assistir a um filme, nenhuma necessidade dos DVDs, já que se vai poder baixar o que se quer, o preço da locação cai direto na conta bancária e será pago pelo cartão de crédito. Sem esses, que um dia foram sinais exteriores de muita grana, as casas não precisarão de tanto espaço, e os home theatres estarão condenados à morte - já estão, aliás. Vamos, então, poder morar naqueles apartamentos de revista de luxo, com a sala inteiramente vazia, e uma lindíssima poltrona de couro -só uma. Tudo vai ser extraordinário, só não consigo pensar em como será possível viver sem nossas queridas e emocionantes caixas de fotos.
Mas quando nossos brinquedos funcionarem sem fio algum, só com a força de nosso pensamento -e isso vai acontecer breve-, haverá gente se lamentando, com saudades dos antigos smartphones. Como aquela moça que, no meio de um maravilhoso filme, sacou do seu e ficou lendo uma mensagem. Ninguém me contou: eu vi, pois ela estava no cinema na fila em frente à minha, um pouquinho à esquerda. Quase gritei.
O único espaço que a tecnologia ainda respeita é a cozinha; por mais que já existam alguns ensaios, como maquininhas que modelam ovos fritos em forma de coração, cortam pão para sanduíches como puzzle e fornecem pedras de gelo em formato de cérebro, esse território ainda não foi atingido -obrigada, meu Deus.
Mas esse dia vai chegar, claro, e só alguns privilegiados vão ter endereços de restaurantes onde se poderá comer uma fatia de carne assada com arroz e farofa, e de quebra pedir um ovo frito -só um-, ou outras preciosidades, feitas não por um chef charmoso, mas por uma cozinheira gorda e bem humorada.
Um restaurante onde não exista um só prato com molho de maracujá, nenhum tipo de música, em que as pessoas não gritem e não falem nunca sobre dieta, só sobre as delícias da gastronomia -e bem baixinho.

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