segunda-feira, 22 de agosto de 2011

O último ato



Domingo, 3 de julho de 2011, por Danuza Leão, para a Folha de S. Paulo

Imagino que ninguém se jogue de um prédio ou se atire debaixo de um trem por impulso de momento. Um suicida deve pensar durante muito tempo nesse desfecho voluntário por diferentes razões, até mesmo por não entender essa estranha coisa que é o mistério da vida; e deve programar sua morte com dias -anos, talvez- de antecedência. O suicida costuma já nascer suicida. 
Assisti uma vez a um documentário sobre a morte assistida. Depois de toda uma parte burocrática, o/a suicida, que sofria de uma doença degenerativa, embarcou com seus dois filhos de Londres para Genebra, e de lá foram para uma pequena clínica que parecia um hotel, onde houve mais um pouco de burocracia -até nessa hora; muitos papéis foram assinados, e se bem me lembro, até um vídeo foi feito, para que não houvesse dúvida de que aquele era mesmo o desejo da pessoa.
A cena era muito triste; ele se despediu da família, tudo foi acontecendo conforme programado, e o médico trouxe um copo com a droga letal que o matou em minutos.
Acabar com a própria vida é um ato radical, talvez o mais radical que possa ser praticado. Por isso, não dá para compreender que uma pessoa aceite, em seu momento final -escolhido por ela-, ter a seu lado um estranho. É sempre possível se matar sem precisar de ajuda, seja por estar em processo terminal, seja por razões de qualquer ordem.
Se estiver num hospital, vai ser mais difícil comprar o veneno ou o revólver, mas sempre haverá alguém que o ame o bastante para ajudar.
Acho que já contei a história de um casal que se amava muito; ele ficou dias internado, sem chances de recuperação. Quando percebeu que estava chegando a hora -ou talvez ele tenha escolhido a hora-, fez um sinal para ela, que tirou da sacola um iPod com as músicas de que mais gostavam, uma garrafa de uísque, serviu em dois copos que também havia trazido, tirou o oxigênio que o ajudava a respirar e pôs em sua mão um cigarro já aceso.
Ele sorriu como não fazia há muito tempo, e eles passaram algumas horas ouvindo música, fumando, bebendo e driblando as enfermeiras. Na mesma noite ele se foi, e ela ficou quase feliz, por terem passado uma tarde tão boa. Foram considerados loucos.
Não acredito que o suicídio seja necessariamente um ato de agressão contra alguém, contra muitos ou contra todos, segundo dizem os que acham que entendem tudo sobre a natureza humana.
Eles apenas acham, já que nunca ninguém soube nem jamais saberá o que se passa na cabeça de alguém que decide se matar; e mesmo os que tomam essa decisão, deixando uma ou muitas cartas, talvez não saibam exatamente em que momento ela foi tomada, e por que a vida ficou tão impossível de continuar sendo vivida; só sabem que ficou.
Não sei se o suicídio é um ato de coragem ou de covardia, mas não entendo a morte assistida; se já são raros os que se matam na presença de alguém, é incompreensível que o façam na presença de um médico desconhecido, nesse que é o momento mais solitário do ser humano.

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