domingo, 21 de agosto de 2011

Cenas de Ipanema


Domingo, 7 de novembro  de 2010 por Danuza Leão, para a Folha de S. Paulo

FOI CURIOSO ver Lula anunciar a grande novidade: que o governo vai ter a cara de Dilma; preferia ter ouvido isso da própria.
Não entendi por que ele vai levar a presidente eleita para viajar; para apresentá-la ao mundo, como uma filha inexperiente? Para tirar uma casquinha de sua popularidade?
Para aproveitar e no avião fazer a cabeça dela na escolha de sua equipe? Espero que Dilma dê boas razões para que eu lhe faça grandes elogios, mas está claro que, se a CPMF voltar, não será culpa dela, mas dos governadores. Para já, a eleição acabou, a vida voltou ao normal, vamos mudar de assunto.
Outro dia entrei numa farmácia na Visconde de Pirajá -são umas cinco em cada quarteirão- e dei de cara com uma freira. Levei um susto; era freira de verdade, vestida como tal, coisa que não via há anos.
Prestei atenção a seu hábito -é como se chama a roupa que elas usam. Uma roupa comprida, de algodão marrom; na cabeça, uma espécie de véu preto, e, cobrindo a testa, um tecido branco. Na cintura, uma corda, e nos pés uma sandália de couro cru, que não ficava nada a dever às mais lindas sandálias italianas dos anos 60.
No meio de mulheres de pernas e barrigas de fora, jeans apertadíssimos, tomara que caia, tudo numa profusão de estampas coloridas, me deu uma certa paz, ver aquela mulher tão chique -a combinação de marrom, preto e branco fazia toda a diferença. E lembrei de ouvir, quando criança, falar de meninas que tinham a "vocação", isto é, que pretendiam se tornar freiras.
Será que isso ainda existe? Será que passa pela cabeça de alguma adolescente ser noiva de Cristo? Lembrei de Madre Teresa de Calcutá, que usava um hábito branco, debruado de azul, e pensei que nesse momento tão difícil pelo qual passa a moda, se algum costureiro ousasse fazer uma coleção com a sobriedade e o bom gosto das roupas das religiosas, poderia ser um caminho, nesse universo tão perdido.
Voltando: o dia estava nublado, mas quente, e quando saí da farmácia, vi que se anunciava uma chuva. Parei na porta de uma loja e fiquei olhando as pessoas; foi quando vi um senhor carregando um guarda-chuva desses dobráveis. Andava devagar, olhando cuidadosamente para o chão, imagino que para não pisar num buraco ou tropeçar.
Sou de uma geração que achava os homens diferentes das mulheres. Mais fortes, mais corajosos -"homem não chora". Mas não aquele com o guarda-chuva. Antes de sair ele deve ter olhado o tempo pela janela, achou que podia chover, e levou o guarda-chuva. Um homem que faz isso é um homem medroso. Não covarde, medroso. Ele tem medo de se molhar, de talvez pegar uma gripe que pode se transformar em pneumonia.
Os jovens não usam guarda-chuva. Eles enfrentam as tempestades achando graça, e quando se trata de dois apaixonados, costumam às vezes se abrigar debaixo de uma marquise para se beijar. E -imagino- quando chegam, enquanto ele troca de camisa, ela enxuga os cabelos com uma toalha e vai para a cozinha fazer um chá, para esquentar os corpos. E os dois riem, falando da chuva, comentando que era uma chuva molhada -nem todas são-, felizes por já estar em casa.
Já aquele homem, não. Ele parecia ser só, a chuva não lhe trazia nenhuma alegria, nem mesmo um alívio porque o tempo ia refrescar, e quando chegasse em casa, não teria ninguém que lhe fizesse uma bebida quente, ou com quem pudesse -ou quisesse- falar.
A fragilidade masculina é sempre comovente, e, no caso, triste. Porque o medo daquele homem não era só da chuva, mas, também, da vida.

Nenhum comentário:

Postar um comentário